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23
nov
2017

Pereira Sitônio PintoPereira Sitônio Pinto

Um submarino sofre crítico constrangimento de espaço, com beliches sendo divididos até por três marinheiros

Parece nome de navio negreiro: San Juan. Era assim que os traficantes de escravos batizavam seus navios, com nomes de santos da Igreja Católica. Os navios negreiros sangravam (sic) os mares trazendo no seu bojo os condenados à escravidão perpétua. Como bem disse o sociólogo negro Leroy Jones (O Jazz e sua Influência na Cultura Americana), o escravo é o trabalhador sem direitos.

Pois nos primeiros da colonização eles não tinham direito algum. Nem à vida. Ao depois foi que teve início uma lenta conquista, século após século: os sexagenários, o ventre livre, a proibição do tráfico. Esta última, seria “para inglês ver”, pois apenas contrariava, pro forma, o edito da Inglaterra, que bania o tráfico negreiro no Atlântico.

Ou melhor: proibia a importação da mão-de-obra gratuita para as colônias da América, que se tornaram concorrentes da metrópole, mormente durante a Guerra da Independência norte-americana. Pois os escravos trabalhavam de graça para os proprietários colonos, sendo assim uma força aliada formidável contra a Inglaterra. Essa a razão da solidariedade inglesa para com os escravos africanos.

E os veleiros com nomes de santos passaram a ser mais menos banidos dos mares do Atlântico. A Igreja foi cúmplice no tráfego de escravos, com a participação de algumas de suas figuras notáveis, como o Padre Vieira, sócio de empreendimentos negreiros, sendo ele mesmo um mestiço – intelectual de robusta formação filosófica e literária (diz-se que Rui Barbosa abeberou-se nele).

Agora vem o ARA San Juan (Armada Argentina San Juan) e afunda, no mesmo mar em que foi a pique o Belgrano, durante a guerra das Malvinas. Todos os navios da Marinha (de guerra) Argentina exibem o prefixo ARA – Armada Argentina. Como os ingleses têm o HMS e a marinha norte-americana o US Navy.

O ARA San Juan é uma embarcação de procedência alemã, como eram os 804 (oitocentos e quatro) U-boats da kriegsmarine afundados no Atlântico Norte na segunda guerra mundial. A força de submarinos da Alemanha fazia daquela marinha a mais temida na segunda grande guerra, mas seus U-boats foram a pique, um a um, pela ação combinada de ingleses e norte-americanos.

Quase quarenta mil marinheiros (digo rapazes) alemães afundaram nos mares do norte para nunca mais voltar. Seria defeito de fabricação dos U-boats? Mas os submersíveis alemães ganharam fama de eficientes. Até que veio um radar mais moderno e uma escuta mais inteligente e os U-boats foram banidos dos mares.

A agonia do ARA San Juan é mais difícil de ser resolvida porque um submarino é um navio construído para não ser localizado. Hoje é o último dia de oxigênio para a tripulação do San Juan, seus 43 nautas e sua catrina Eliana Krawczyk. Que foi buscar u’a mulher a bordo de um submarino sucateado do pós-guerra?

Um submarino sofre crítico constrangimento de espaço, com beliches sendo divididos até por três marinheiros – cada qual dormindo um turno de oito horas. Até um dia desses, só dispunha de um banheiro para toda a tripulação. Um banheiro sem folha de porta, para economizar espaço. Dona Eliana deve ter vivido dias desconfortáveis a bordo.

Eles e ela podem estar vivendo seu último dia a bordo da vida. Enquanto essa hora não chega, resta-nos ser solidários com os irmãos naufragados. Pois somos todos irmãos dos tripulantes do San Juan, como os nautas da canção dos beatles: “We all live in a yellow submarine, / Yellow submarine, yellow submarine…”

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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