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31
dez
2015

“E a festa chegava ao climax com a chegada de Seu Miguel trazendo os bolos de Cecília, que eram comidos pela gurizada na grande mesa da cozinha, tendo a acompanhá-los o café quentinho, torrado no caco, que dona Emília fervia na "chaleira" de zinco fabricada por Joaquim Gomes”.

IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO REFORMADA - BLOG DO JOSÉ DUARTE

Réveillon era palavra desconhecida para nós. A festa recebia o pomposo nome de "Noite de Ano" e era bastante animada pelos balões coloridos de Tozinho e pelos fogos de lágrimas que Pedro Fogueteiro mandava aos céus, para chorarem o adeus do ano velho.

A Rua Grande se enchia de jovens a caminhar pelo centro, uns namorando de mãos dadas, outro espiando, com olhar pidão, as meninas em flor que passavam ao largo.

No clube da cidade, o conjunto de Manoel Marrocos tocava "Ai Moraria", dando compasso aos passes de dança de Antonio Gordão e Pata Choca. Lá na ponta da rua, Manoel Tocador e João Caiti animavam o "bolo doce", no qual dançavam os desgarrados da sociedade que não tinham espaço no baile dos ricos.

A rua principal era enfeitada de bandeirolas coloridas. O centro ficava tomado pelas barracas de pau a pique, cobertas de palhas de coqueiro, onde se bebia a legítima brahma da antarctica e comia-se galinha de capoeira assada, mais dura do que sola de sapato.

Cecília Mandaú montava o seu banco em frente a loja de Severino Almeida. O bolo de Cecília era o melhor da região. O velho Miguel Fotógrafo dele comprava e levava para a farra da meninada, que o esperava ávida na casinha do Cancão.

Pelas pedras da Lagoa da Perdição, mocinhas ainda virgens perdiam os seus segredos entre as locas, saindo dali mulheres parideiras. Everaldo Maia campeava o mulheril e já naquele tempo mostrava habilidade com o "bisturi".

Os padres Carmelitas armavam um pavilhão gigante em frente ao convento, com palco ao fundo e mesas ao redor. As belas mocinhas ricas dançavam o pastoril, havendo a disputa para ver quem vencia, se o cordão amarelo ou o encarnado. Enquanto isso, os ricos da cidade exibiam suas fortunas arrematando galinhas e garrafas de vinho no leilão cantado por João Mandu, a mando de Frei Anastácio. Tinha nêgo que alisava o couro da bunda de tanto arrematar. Um menino do Cancão fez um lance fantasma ganhando a prenda pelo tamanho do valor. Quanto o leiloeiro deu-lhe uma, deu-lhe duas e deu-lhe três, descobriu que não havia arrematante, pois o dito já corria a léguas, com o mocotó batendo na bunda, pelas vielas do Escorregou, Tá Dentro.

E a festa chegava ao climax com a chegada de Seu Miguel trazendo os bolos de Cecília, que eram comidos pela gurizada na grande mesa da cozinha, tendo a acompanhá-los o café quentinho, torrado no caco, que dona Emília fervia na "chaleira" de zinco fabricada por Joaquim Gomes.

Blog do Tião Lucena


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Uma resposta para “Do Blog de Tião Lucena : “Noite de Ano””

  1. Inês Patriota disse:

    Me alegro muito com a sua capacidade de por em texto momentos que estavam adormecidos na minha memória e que vêm à tona quando me deparo com tão linda crônica. …FELIZ NOITE DE ANO!!!!!

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