"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas". A descrição é do livro ‘Vidas Secas’ de Graciliano Ramos, mas se aplica perfeitamente ao cenário encontrado no interior da Paraíba, que vem sendo assolado pela seca.
A ‘Caravana da Seca’, realizada pela Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), passou por mais de 50 municípios e percorreu cerca de 2 mil quilômetros para verificar nas localidades os efeitos devastadores da estiagem. Todo o material coletado será transformado em um relatório e um documentário que serão encaminhados ao Governo Federal para que as providências sejam tomadas.
A viagem pelo interior do Estado começava cedo. Deputados e imprensa dentro de ônibus vendo de perto o sofrimento dos atingidos pela estiagem. A cada parada o relato de sofrimento e de dificuldades para conseguir água para beber e de manter o rebanho vivo.
Nas Câmaras Municipais prefeitos, vereadores, representantes de entidades e agricultores esperavam a ‘Caravana’ para relatar os problemas vivenciados e entregar documentos relatando os problemas, cobrando e apontando soluções. Foram realizada nove sessões especiais.
Pelo caminho podiam ser visto verdadeiros cemitérios de animais. Em Boqueirão de Piranhas, distrito de Cajazeiras, uma placa escrita com Português nada correto, mas que passava bem a mensagem dizia assim: “Apartir de hoje esta proibido botar qualquer tipu de aninal morto neste terreno”. Ao fundo, poderiam ser vistas várias ossadas e animais, sinal de que o recado não tinham sido atendido.
“Nós saímos do conforto de nossos gabinetes e casas para verificar a situação da população que sofre com a seca. A situação é desoladora. A Transposição das águas do Rio São Francisco é a solução imediata para resolver este problema da seca, por isso, estamos defendendo esta bandeira. Vamos fazer um relatório com base no que vimos, vivemos e ouvimos e vamos entregar as autoridades competentes e cobrar insistentemente ações para o campo”, comentou o presidente da ALPB, Ricardo Marcelo (PEN).
Colapso no abastecimento – A barragem Engenheiro Ávidos, em Cajazeiras, está com 18% da sua capacidade que é de 255 milhões de metros cúbicos de água. Ele abastece cerca de 20 municípios e fornece água para o Perímetro Irrigado das Várzeas de Sousa. Caso não volte a chover, já se espera o caos no abastecimento.
No perímetro irrigado de São Gonçalo mais histórias de prejuízos e dificuldades enfrentadas em decorrência da estiagem. Na localidade moram 928 irrigantes que colhiam 200 mil cocos por dia e com a seca esse número foi reduzido para 40 mil. “Perdemos 70% da nossa produção e estamos passando por dificuldades”, relatou o irrigante Geraldo Dias.
Rebanho morto – em várias propriedades a ‘Caravana’ encontrou verdadeiro ‘cemitérios de animais’, com a exibição de carcaças que ainda exalavam o mau cheiro. Próximo a duas vagas mortas, o agricultor José Braz Macedo, 61 anos, contava a sua história. “Eu vou dividir meu pão com eles. Não vou perder meus animais”.
Ele é morador do Sítio Pitombeiras, no município de Ouro Velho e relatou que retira dinheiro da aposentadoria para dar comida as suas duas vacas. “Eu peguei um empréstimo para comprar comida para elas e não vou deixar que elas morram de fome, como estas duas vacas do meu visinho”, disse José Braz.
Para completar a ração dos animais, o agricultor está utilizando mandacaru, uma planta bastante espinhosa. Mesmo sendo uma espécie típica da terra árida, o agricultor relata que até essa planta está difícil de encontrar nesta seca. “Este mandacaru que está aqui veio de Pernambuco e tive que pagar por ele”, contou.
Desertificação – O deputado Assis Quintans (Democratas) disse que o processo de desertificação nas regiões do Curimataú e Cariri é um assunto que deveria preocupar as autoridades do Estado. “O que nós vimos hoje entre os municípios de Remígio, Barra de Santa Rosa e Picuí é algo que merece uma reflexão por parte do Governo. Esta região entrou em processo de desertificação e algo precisa ser feito urgentemente”, disse.
Segundo Quintans, a Paraíba precisa se preocupar mais com esta questão da seca e da estiagem, para que em períodos como os de agora, quando uma seca emenda com outra e causa os maiores problemas.
Para o deputado, a seca é um fenômeno natural relativo ao clima e precisa que se use tecnologia para que possamos conviver com ela.
Participação – Participam da caravana os seguintes deputados: Ricardo Marcelo, Edmilson Soares, Branco Mendes, Arnaldo Monteiro, Guilherme Almeida, Daniella Ribeiro, Trocolli Júnior, Francisca Mota, Gervásio Filho, Janduhy Carneiro, João Gonçalves, Olenka Maranhão, Frei Anastácio, Anísio Maia, Raniery Paulino, Assis Quintans, Antônio Mineral, Domiciano Cabral, José Aldemir, Vituriano de Abreu, Márcio Roberto, Lindolfo Pires e João Henrique.
Beth Torres/Agência ALPB