Epitácio Pessoa foi presidente da República (1919-1922), presidente do Supremo Tribunal de Justiça e presidente do Congresso. Foi, portanto, o único brasileiro a presidir os chamados Três Poderes. Ainda foi Procurador Geral da República, chefe da delegação brasileira à Conferência de Versalhes e juiz da Corte Internacional de Haia. Assim se tornou um homem de grande prestígio nacional.
O ex-presidente ainda quis ser candidato outra vez a presidente da República, quando houve um impasse na aceitação da candidatura do paulista Júlio Prestes, em 1930, interposto pelos mineiros e gaúchos. A resistência à candidatura de Júlio Prestes era liderada pelo caudilho gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, que fora ministro do presidente Washington Luís, um político intelectual.
Epitácio indicou um sobrinho dele, João Pessoa, para ser presidente da Paraíba (naquele tempo, o cargo de governador era denominado opcionalmente de presidente). Quando presidente da República, Epitácio criara mais uma vaga de ministro no Superior Tribunal Militar para colocar o sobrinho João Pessoa.
Nepotismo
A indicação do sobrinho para governador (presidente) da Paraíba foi o começo e o fim de uma oligarquia. João Pessoa, acumulando os cargos de presidente do estado e de presidente do partido, secção estadual, tentou sedimentar a oligarquia dos Pessoas expurgando todos os candidatos a deputado federal de seu partido, deixando apenas um ─ seu primo legítimo Carlos Pessoa. O expurgo aconteceu dez dias antes das eleições de 1930.
Isso causou uma reação na Paraíba. Um dos convencionais do partido, e candidato a vice-presidente do Estado, deputado José Pereira Lima, principal suporte político de Epitácio Pessoa, não aceitou o expurgo na chapa com a permanência de Carlos Pessoa. O deputado federal apoiado por José Pereira também fora expurgado. Chamava-se João Suassuna, um juiz, pai do escritor Ariano Suassuna.
Só rompeu dias antes
Por causa da permanência de Carlos Pessoa na chapa – após o expurgo –, o deputado José Pereira, líder político da cidade de Princesa, próspero município no Sertão da Paraíba, mais João Suassuna, romperam politicamente com o presidente João Pessoa, a uma semana das eleições. João Pessoa não acatou o rompimento político e mandou uma tropa policial à cidade de Teixeira, base política da família de Dona Rita Dantas, esposa de João Suassuna.
A polícia estadual, a mando de João Pessoa, e comandada por um inimigo dos Dantas, prendeu os principais elementos dessa família, inclusive as mulheres.
Sabedor do constrangimento que seus aliados Dantas e Suassunas passavam, José Pereira mandou a volante de Princesa para a cidade de Teixeira, a fim de libertar os Dantas, em legítima defesa de terceiros, o que foi conseguido. Esse efetivo era mantido por José Pereira para dar combate ao cangaço. Foi quem cegou um olho de Lampião e matou seu irmão Antônio, segundo a neta do facínora, Vera Ferreira, no seu livro “O espinho do quipá”.
A volante foi reforçada em 1926 para resistir à Coluna Prestes. Essas tropas eram comuns no Nordeste, bancadas pelos governos estaduais na luta contra o cangaço, com o nome de Batalhões Provisórios; já as forças para resistir à Coluna Prestes eram chamadas de Batalhões Patrióticos. A volante de Princesa acumulava as duas funções.
Prisão dos Dantas
Depois da prisão dos Dantas e da iniciativa de José Pereira em libertá-los, João Pessoa mandou sua polícia à Princesa para dar combate ao singular caudilho de Princesa. Assim teve início uma luta entre as forças de João Pessoa e as de José Pereira, que se prolongou por mais de cinco meses. A tropa de Princesa cresceu com a adesão de voluntários e de desertores da polícia, formando o Exército dos Libertadores, com um total de dois mil homens.
Foram pesadas as baixas das forças do Governo, e patente a ingovernabilidade do Estado, o que levou a um armistício conduzido pelo Exército Brasileiro, depois da morte de João Pessoa.
José Pereira, deputado por quatro legislaturas, o Zepereira, ex-seminarista e ex-acadêmico de Direito, considerado “o número um do epitacismo”, era um industrial do algodão, da cana de açúcar e da geração de eletricidade, além de ser proprietário de um jornal na Capital e outro em Princesa, e fazendeiro em Pernambuco e no município de Piancó, Sertão da Paraíba.
“O número um” possuía poucas terras em Princesa, onde era um capitalista moderno, um mecenas, um protetor das artes: Princesa tinha teatro, cinema, filarmônica de 24 instrumentos, grêmio literário e foi a única cidade na Paraíba a dar apoio ao Manifesto Modernista de 1922, de São Paulo.
João Pessoa foi candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, que era o candidato a presidente da República. João Pessoa nunca fora político; essas candidaturas, a presidente do estado e vice-presidente da república, foram por conta do prestígio do tio Epitácio, o ex-presidente dos três poderes.
A chapa de Getúlio perdeu a eleição; insatisfeitos, seus aliados disseram que houve fraude eleitoral, e tentou-se uma conspiração contra o presidente da República, Washington Luís. Era a chamada Aliança Liberal.
Perto de Palácio
Com o recrudescimento da luta armada na Paraíba, o advogado João Dantas, primo da mulher de João Suassuna, teve de deixar a capital (que se chamava Parahyba) e ir para o Recife. Mas sua residência e escritório de advogado (duas vezes inviolável), situados a poucos metros do Paláciodo Governo, na rua Duque de Caxias, quase na esquinado jornal oficial A União, foram arrombados pela polícia a 10 de julho de 1930, de onde foram retirados documentos e sua correspondência íntima.
Alguns documentos pessoais de João Dantas foram publicados no jornal oficial, que direcionava contra João Dantas e os revoltosos uma intensa campanha difamatória, com violentos editoriais – se diz, escritos pelo próprio presidente. Parte da correspondência de João Dantas com sua noiva Anayde Beiriz (18.02.1905 – 22.10.1930) foi afixada no quadro de aviso do jornal do Estado e outra parte exposta à leitura pública na Chefatura de Polícia.
João Dantas tomou o caso como ofensa pessoal, não mais política, e, a 26 de julho de 1930, na última viagem de João Pessoa ao Recife, matou o presidente a tiros de revólverna Confeitaria Glória. O advogado foi baleado pelo motorista de João Pessoa, e preso. A 6 de outubrofoi sangrado na prisão, após violenta luta com uma comitiva da polícia paraibana, comandada pelo mesmo inimigo dos Dantas que os prendera em Teixeira. João Dantas foi degolado juntamente com seu cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, porque este o hospedara em Olinda.
Maior advogado
Exilado em Pernambuco, João Dantas viu publicada n’A Uniãoa notícia de que o presidente da Paraíba viajara naquele dia para o Recife. O fato se deu enquanto o advogado se encontrava no bonde e leu o jornal nas mãos de seu vizinho de banco. Em seguida, voltou para a casa de seu cunhado Augusto Caldas, onde estava hospedado. Armou-se e foi procurar o presidente. Eles não se conheciam. O advogado apresentou-se:
─ João Pessoa, eu sou João Dantas, a quem tanto humilhastes.
E detonou a arma.
Dessa forma, o mau uso e abuso do jornal A União foi corresponsável pela morte do presidente João Pessoa, assim como foi, mais recentemente, corresponsável pela cassação do governador Cássio Cunha Lima e seu vice.
A poetisaAnayde desenvolvia uma prática epistolar com seus amores, ondecriava uma ficçãosensual e uma realidade inexistente. Assim foi com o advogado João Dantas e com o médico Heriberto Paiva, que antecedeu João Dantas na vida afetiva da jovem professora.
De João Dantas, o escritor José Américo diria, nas suas memórias, que foi “o maior advogado de seu tempo”. José Américo escolheu bem o seu sócio, com quem dividia uma banca de advocacia, juntamente com o advogado João da Mata – o vice-presidente, que morreu num misterioso acidente de automóvel em pós a morte de João Pessoa, perto de Goiana, na estrada para o Recife.
Dez Júlios Prestes
Mas a conspiração feneceu. João Pessoa nunca aceitou a Aliança Liberal. Dizia preferir 10 Júlios Prestes a uma revolução. A morte de João Pessoa serviu para reacender a conspiração da Aliança Liberal. Levaram seu cadáver para o Rio de Janeiro, onde morava, pois jamais fora eleitor na Paraíba. O translado do cadáver foi sugestão de Assis Chateaubriand, nome que José Pereira propôs a João Pessoa para substituir o de Carlos Pessoa na chapa de deputados.
Chateaubriand morreria sem saber disso, pois essa proposta ficou sendo um segredo de baú da família Pereira Lima.
O navio fúnebre que levou os restos de João Pessoa para o Rio parava de porto em porto, onde desembarcavam o cadáver e faziam manifestações políticas. A múmia de João Pessoa foi a porta-bandeira do golpe. A conspiração contra o governo de Washington Luís tomou corpo até que houve o golpemilitar de 1930, conduzido por jovens oficiais, sobreviventes da intentona de 1922 contra Epitácio Pessoa, mais conhecida como “os 18 do forte”.
Movimento militar
Para o historiador José Honório Rodrigues, o golpe de 1930, que alguns chamam de “Revolução de 30”, não passou de "um movimento militar com simpatias civis". O golpe de 1930 recrudesceu com o golpe de 1937 (Estado Novo), de orientação nazifascista. Durante a ditadura, Vargas implantou uma legislação trabalhista inspirada na “Carta del lavoro” de Mussolini, revogada na Itália mas ainda hoje vigorosa no Brasil.
Os dois golpes em sequência de Vargas perduraram até 1945, quando sua ditadura foi deposta pelos oficiais que retornaram da Europa, com o fim da Segunda Guerra Mundial e do nazifascismo, e promoveram a redemocratização.
(*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras, da Academia de Letras e Artes do Nordeste)