Este ano, o Carnaval de rua da Capital vai contar com 22 orquestras de frevos.
Sitônio Pinto*
Antigamente o Carnaval começava antes do ano terminar. As rádios transmitiam as músicas que os compositores faziam para a festa que se aproximava. Criavam o clima: despertavam o povo para o chamado tríduo momesco, revivendo a saudade do Carnaval que passou e preparando os foliões para vestir a fantasia do próximo. O rádio tocava não só as novas músicas, como os velhos sucessos. Frevos, marchinhas e sambas enchiam as casas com os rádios ligados em volume alto.
Não havia TV, e os rádios podiam ser ouvidos sem atrapalhar o trabalho ou mesmo os estudos. O rádio tem essa vantagem: pode ser ouvido enquanto se trabalha, até enquanto se dirigem automóveis ou se exerce alguma atividade intelectual. Por exemplo: enquanto estou escrevendo essa crônica, escuto “Vassourinhas”, executado pela banda Sinfônica Cidade do Recife, tocado pelo mesmo computador em que redijo estas mal traçadas.
Nesse aspecto, o computador se parece com o rádio. Não interfere na atividade de ninguém. E a banda vai tocando o frevo creditado a Mathias da Rocha e Joana Batista. Só que há uma letra mais comprida, com melodia mais lenta. É aquela cantiga de ninar, ou de roda, que diz assim:
“Nesta rua, nesta rua,/ tem um bosque, tem um bosque / que se chama Solidão. / Dentro dele, dentro dele / mora um anjo, que roubou /que roubou meu coração. E outra voz respondia: “Se eu roubei, se eu roubei / teu coração, / tu roubaste, tu roubaste / o meu também. / Se eu roubei, se eu roubei teu coração, / é porque, é porque te quero bem.” Pode cantar mais depressa que dá na melodia de Vassourinhas, ou cante Vassourinhas devagar que vai sair nessa cantiga de roda ou de ninar – sem a repetição do segundo verso.
Será que Vassourinhas virou folclore, e, de frevo de rua, se transformou em cantiga de roda e no lento acalanto? Notícia há que havia um clube em Bom Jardim, Pernambuco, O Homem da Madrugada, cuja marcha tinha a segunda parte igual à primeira de Vassourinhas. É o depoimento do maestro Francisco Correia de Castro a Leonardo Silva. O maestro disse que viu uma partitura da música datada de 1873. Portanto, Vassourinha já teria 141 anos, a dar crédito ao maestro Correia de Castro, e 125 se foi da autoria dos primos Mathias da Rocha e Joana Batista.
Aviso aos navegantes e suas orquestras de bordo: prefiro Vassourinhas com tuba, mesmo que a peça fique mais lenta. A tuba dá mais peso, moral e autoridade ao frevo. Mas deve ser tocada com moderação, para não sufocar os outros instrumentos. Você já ouviu a Orquestra Tambaú de Frevos? Do maestro Zerinaldo Barros? Foi fundada um mês depois do centenário de Vassourinhas (crédito de Mathias da Rocha e Joana Batista), em 6 de fevereiro de 1989. Tem tuba e tudo de bom, inclusive a introdução, com Vassourinhas tocada à capricho.
Uma notícia boa para quem gosta de frevos: este ano, o Carnaval de rua da Capital vai contar com 22 orquestras de frevos. As rádios podem não tocar músicas de carnaval, estão tocando até músicas em inglês às vésperas da festa de Momo, mas não vão faltar orquestras nas ruas. Você se lembra da grande Orquestra Paraibana de Frevos, do maestro Amaury? Faz tempo que ela se dissolveu, desde que o maestro foi removido para Brasília, pois ele é músico militar, agora reformado. Mas a Paraibana se fez semente e germinou em 22 orquestras. Vale a pena ouvi-las.
Houve quem dissesse que o frevo é paraibano. Prefiro a opinião do maestro Pedro Santos, meu professor de Educação Artística no clássico do Lyceu: “o frevo é de Itamaracá”. E Sivuca: “é eslavo”. Sivuca não me disse a rota do frevo para chegar a Itamaracá. Não perguntei. Glorinha Gadelha acha que eu pergunto demais, feito um jornalista, um delegado, um cretino. Não perguntei, Sivuca não disse. São longas as léguas da Rússia até Itamaracá, mais ainda pra quem não sabe o caminho.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.