Otávio Sitônio Pinto*
A humanidade ainda não entendeu a finalidade do avião. O grande pássaro não é um engenho para uso civil, mas um artefato de guerra. É verdade que Santos Dumont concebeu o avião como um impulsor do progresso dos povos, mas seu emprego foi desvirtuado, com sua aplicação nas guerras – o que levou seu inventor ao suicídio, em 23 de julho de 1932.
O aperfeiçoamento do avião, a partir do 13-BIS, foi mais rápido do que seu próprio voo. Inaugurado a 23 de outubro de 1906 no Campo da Bagatela, o engenho de Santos Dumont foi largamente empregado na Primeira Guerra Mundial, que teve início oito anos depois, em 1914. A utilização de aeronaves na guerra, seja como aviões de caça ou de bombardeio, deprimiu seu inventor.
Dumont direcionava seu gênio para o bem-estar da humanidade, sem patentear seus inventos. Assim foi com o relógio de pulso que você está usando. Um engenho simples, mas que ninguém havia concebido até que Dumont precisou de um cronômetro em que pudesse ver a medição do tempo enquanto pilotava. Tirou o relógio da algibeira e o prendeu no pulso, onde está até hoje.
O gênio morreu em Guarujá, enforcado no banheiro do hotel onde morava. Foi para Guarujá atendendo sugestão médica, como adjutório no tratamento da depressão e da esclerose múltipla. Da praia, Dumont pôde ver o bombardeio do cruzador Bahia por três aviões legalistas, durante a Revolução Constitucionalista de 1932. A visão do episódio aumento sua depressão, iniciada na Primeira Guerra e agravada com a tragédia da sua chegada ao Brasil – quando um avião que jogar flores sobre o navio que o conduzia caiu ao mar, matando vários de seus amigos.
Dumont foi poupado de ver o emprego massivo do avião na Segunda Guerra – quando foram construídos cerca de meio milhão de aparelhos pelas partes beligerantes, fazendo a fortuna dos construtores. Finda a guerra, o capital direcionou a atividade das fábricas para uso civil – fazendo com que uma aeronave e sua tripulação transportassem um grande número de passageiros em pouco tempo.
A verdade é que na maioria das vezes não há necessidade de viagens tão rápidas. As pessoas estão empregando seu tempo de lazer em viagens marítimas de recreio, o que poderia ser feito também nas viagens com outras finalidades. Mesmo durante a Segunda Guerra as viagens marítimas eram mais seguras que as aéreas, ainda com a ameaça dos torpedeamentos, pois quase sempre havia sobreviventes nos naufrágios – o que nem sempre acontecia nos desastres com aviões, como ocorreu com a tragédia que vitimou Glenn Miller e toda sua orquestra, desaparecidos no Canal da Mancha.
Os desastres aéreos têm uma característica dominante: a perda absoluta de vidas. Ainda não se tem notícias do paradeiro do Boeing 777, da Malaysia Airlines, que sumiu em qual oceano não se sabe – se o índico ou o Pacífico – a mais de uma semana, no dia oito deste março, com 239 pessoas, inutilmente procuradas por satélites, navios e aviões de 25 países.
Destino igual teve o Air Bus 330 da Air France, na noite de 31 de maio a 1º de junho de 2009, com 228 pessoas, nas imediações do arquipélago de Fernando de Noronha e dos rochedos São Pedro e São Paulo. Ídem com o Air Bus 320 da TAM, na noite de 17 de julho de 2007, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde pereceram 199 vítimas – todos os passageiros, tripulantes mais algumas pessoas que trabalhavam no local. No Titanic não foi assim. Dos 33 navios brasileiros torpedeados na Segunda Guerra, só o Cabedelo e o Shangri-lá não tiveram sobreviventes.
Aviões são perigosos não só porque voam depressa, mas sobretudo porque não pousam devagar. Quase sempre não escapa ninguém. Só a caixa-preta, que é laranja.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.