Otávio Sitônio Pinto*
“Os disparos do pistoleiro Alcino ainda fizeram outra vítima: o ditador Getúlio Vargas”
Carlos Lacerda foi atingido no pé. As regiões mortais estão muito longe do pé: na cabeça, no tronco, no quadril, na coxa. Mas o pistoleiro que alvejou Lacerda, na noite da Rua Toneleros, acertou o pé (direito, pois Lacerda era de direita). Só sendo de propósito: o capanga teria ordem de não matar o jornalista, o atentado seria apenas uma advertência, o calaboca do homem que vinha denunciando os desmandos do governo Vargas.
Toneleros, 180, Copacabana, Rio, cinco de agosto de 1954. Um endereço histórico, a data também. Nele morava Carlos Lacerda, o jornalista que vinha denunciando os malfeitos do governo Vargas, principalmente nos comícios de sua campanha a deputado. Como vinha sendo ameaçado de morte, era escoltado por oficias da aeronáutica, que se revezavam na sua segurança. Naquela noite, era escoltado pelo major Rubens Florentino Vaz e acompanhado por Sérgio, de 15 anos, filho de Lacerda.
O jornalista foi tocaiado pelo pistoleiro amador Alcino João do Nascimento. Este já havia errado uma vez, matando um homem que nada tinha a ver com a encomenda. Mesmo assim, foi contratado para a empreitada. Errou outra vez, atingindo o major Vaz com dois tiros de pistola 45 no tórax. Não tem quem escape, e o major morreu. Alcino ainda baleou o guarda municipal Sávio Romero, que anotou a placa do táxi que deu fuga ao pistoleiro.
Porque acertar mortalmente o major Vaz, que acompanhava Lacerda? Seria uma punição para uma pessoa que nada tinha a ver com o busílis Lacerda-Vargas? Do atentado da Rua Toneleros, em Copacabana, pode-se deduzir que Vargas e seu entourage eram desacostumados com a democracia. Vinham de uma longa e sanguinária ditadura, de 1930 a 1945, e não admitiam críticas, principalmente críticas públicas, inda mais feitas pela imprensa.
Foi aberto um inquérito pela Força Aérea Brasileira (FAB), e o crime ficou esclarecido. Gregório Fortunato, o chefe da guarda pessoal de Vargas, confessou a coordenação do crime. O motorista do táxi, Nelson Raimundo de Souza, também confessou sua participação. Todos foram condenados. Mas, quem mandou Gregório? Ele foi executado por seus companheiros de presídio.
Os disparos do pistoleiro Alcino ainda fizeram outra vítima: o ditador Getúlio Vargas foi atingido com um tiro no coração. Presumivelmente, por um disparo de revólver calibre 32. Nunca se achou a bala que teria matado o caudilho. Sobre a cama em que estava o cadáver, um revólver Smith & Wesson, 32, folheado a ouro. Mas a bala sumiu. Era o fim da ditadura Vargas, iniciada em 1930, interrompida em 1945 e reiniciada em 1950, para terminar na manhã de 24 de agosto de 1954.
O governo Vargas foi brutal e sanguinário, mais de que os governos da ditadura militar de 1964/1988. Vargas não admitia opositores, fossem de direita ou de esquerda. Como simpatizante das ditaduras de Hitler e Mussolini, copiou-lhes coisas. De Mussolini, a legislação trabalhista; de Hitler, a Gestapo, que serviu de modelo para o Departamento de Ordem Política e Social – DOPS –, criado em 1924 e “aperfeiçoado” pelo carrasco Filinto Strubing Müller. “Marighela foi o único comunista macho que conheci: queimei sua sola dos pés com maçarico e ele não deu um pio”, revelou Filinto.
O chefe do DOPS fora expulso da Coluna Prestes, e, por isso, tinha ódio mortal a comunistas. Esse ódio faria ainda mais bruta a tortura do DOPS, onde foram seviciados Carlos Prestes, sua esposa Olga Benário, Elisa Saborovsky (Sabo) e centenas de mártires. Olga (grávida) e Elisa, judias alemãs, foram entregues à Gestapo e enviadas à Alemanha, onde morreram nos campos de extermínio.
O Dops foi a marca da ditadura Vargas, mais profunda que o ferro em brasa que marcou a escravatura no Brasil. Mas há quem ache Getúlio o pai dos pobres, o pai da pátria. Pai covarde e cruel.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.