O público local não tem costume de ouvir fado, e conversou muito durante o espetáculo. Mas fez silêncio a partir de “Carolina”
Otávio Sitônio Pinto*
O Cineport é um festival de cinema lusófono, que acontece na Paraíba, numa promoção do Ministério da Cultura e da Energisa – a popular empresa de luz. O evento tem lugar no espaço da antiga Força e Luz de Cruz do Peixe, a velha estação dos bondes que virou Saelpa e, atualmente, Energisa. Não sei por que venderam os bondes, nem para onde foram esses antigos trens elétricos urbanos. Acharam que eram obsoletos, que atravancavam o trânsito. Mas os bondes são usados em muitas cidades da Europa. No Brasil, fazem sucesso em Santa Tereza, Rio de Janeiro.
No lugar dos bondes, a Energisa criou seu espaço cultural. Fica ali no entroncamento de Tambiá com a Torre, no começo da rua Juarez Távora. “Nos confins de Tambiá”, como diz o poeta Jomar Souto na sua “Balada da Moça de Tambiá”, no Itinerário Lírico da Cidade de João Pessoa. Se você ainda não foi, saiba que vale a pena ir. O festival tem lugar até domingo, de manhã, à tarde e à noite. Quase de graça: menos de um dólar o ingresso, o preço de uma passagem de bonde, dois mil réis. Quinta-feira, foi a noite da cantora portuguesa Carminho, como é conhecida a fadista Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade. Será que é minha parenta? Eu também sou Andrade.
Carminho se encaixou na tendência da lusofonia faz algum tempo. Incluiu no seu repertório canções brasileiras e duetos com músicos brasileiros, como Chico Buarque (Carolina), Nana Caimmy (Contrato de Separação) e Milton Nascimento (Nas Pedras da Minha Rua, Encontros e Despedidas). Lusofonia é a intenção de apresentar coletivamente a arte que se faz no universo da língua portuguesa, arte produzida na Europa, América, África, Ásia e Oceania – pois a língua portuguesa é banhada pelos sete mares, coo você sabe.
Faz parte dessa tendência o atual acordo ortográfico, de fundamental importância para a uniformização da língua portuguesa. Vale o pequeno sacrifício de se renunciar a costumes linguísticos regionais, visando à prática de uma língua universal – o português é a terceira língua do mundo em número de falantes.
Quinta-feira, a presença de Carminho no palco representou mais um passo no caminho lusófono. A cantora apresentou cerca de vinte músicas, entre as quais duas brasileiras: “Carolina”, de Chico Buarque, e “Saudades do Brasil em Portugal”, de Homem Cristo e Vinícius de Morais. O público local não tem costume de ouvir fado, e conversou muito durante o espetáculo. Mas fez silêncio a partir de “Carolina”.
Eu pedi desculpas à cantora, depois do espetáculo, pelo comportamento do público. Simples e simpática, ela fez por menos, e me disse que nos últimos números o público foi mais silente. Quer dizer, o público mesmo reagia calorosamente à performance de Carminho; o ruído vinha de uma aglomeração que fazia número, em pé, além plateia. Pois uma parte dos presentes tinha seu interesse voltado para outro foco, como a exibição e filmes e palestras – o que prossegue hoje e amanhã. Pode ir, é uma boa, tudo por módicos dois reais.
Na plateia, a presença da compositora Gloria Gadelha, acompanhada de sua irmã, a promotora de justiça Ana Maria. A bela promotora fez coro a Carminho, cantando a letra de alguns fados. Ainda cumprimentei o guitarrista Luís Guerreiro, que já tinha visto há meia dúzia de anos, em Brasília, quando ele acompanhou Marisa. A noite estava constelada de mulheres bonitas, Carminho linda no seu macacão preto. As fadistas sempre se apresentam de preto, em vestidos longos, mas foi a primeira vez que vi uma fadista de calça comprida. Carminho tem o corpo esbelto e o rosto mais jovem de que os seus 29 anos. É mimosa; se você não viu, veja da próxima vez – ou mesmo no YouTube. Em silêncio.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.