“Peguei a winchester 44 e saí na camioneta até a praia, a fim de detonar os gatunos”
Otávio Sitônio Pinto*
Roubaram minhas cuecas, e não foi para fazer panos de prato, como diz a marcha de Livardo Alves. O crime se deu quando arrombaram a casa de uma namorada minha e levaram tudo que havia dentro: cama, mesa, som, TV, cadeiras, guarda-roupas, as calcinhas da moça que estavam no arame – e as minhas cuecas. Levaram até o penico. Eu disse “tudo”, pois fizeram a mudança. Quando ela chegou, só tinha o susto.
Mais fizeram na casa de meu amigo Fernando Galotti Serra, grande publicitário, ator de “Copacabana Zero Hora”, filme dos anos sessentas. Encostaram um caminhão em frente à casa de Galotti, em Brasília, e levaram tudo – inclusive um baita cachorro boxer, que só servia para cheirar e lamber a cara da gente. Um dia, me acordei na casa de Galotti com o boxer cheirando minha cara. Que susto! Ainda não nos conhecíamos, eu e o boxer. Essa foi a apresentação. Na casa da madrinha Celeide, um dos caras ficou lendo jornal no terraço enquanto os outros faziam o rapa. Em Campina.
Só vim saber quanto o Brasil era pobre quando arrombaram uma casa que eu tinha na praia e levaram a porta e a bacia sanitária de um dos banheiros. Aí entendi como o brasileiro era pobre, pois o ladrão só levou a porta e a bacia sanitária usada. Outra vez o larápio levou a metade do telhado de alumínio, mais de cem metros quadrados de telhas. Nas duas vezes, a casa estava desocupada.
Na segunda vez, o vizinho me telefonou avisando do roubo em execução. Ele alertou também à imobiliária, cujo número do telefone constava da placa. Na véspera eu havia saído do hospital, onde os médicos botaram três “stents” no meu coração. Mesmo assim, peguei a winchester 44 e saí na camioneta até a praia, a fim de detonar os gatunos. Mas a imobiliária chegou primeiro e os caras correram. Comprei as telhas e contratei trabalhadores para repô-las. Fui olhar como ia o serviço: “cagaram na caixa d’água”, disseram os operários.
Aí não é mais crime de bagatela, como dizem a doutrina e a jurisprudência. Cem metros de telhas custam algum dinheiro. E o desaforo na caixa d’água, quanto poderá custar? O promotor e poeta Jomar Souto foi processado porque havia mosquitos da dengue na sua caixa d’água e a família vizinha adoeceu. Na minha caixa d’água não havia mosquitos da dengue, porque eles só gostam de água limpa. Presumo que a sujeira na minha caixa d’água seja um fato novo na rotina e na ciência do Direito.
A esse fato não pode ser aplicado o princípio da insignificância, aquele em que o roubo é uma bagatela, o furto é famélico, furto de fome. As telhas têm o seu preço, e o desaforo na caixa d’água tipifica atentado à saúde somado com danos morais. Eu fiquei injuriado e não sei como não morri de raiva, recém-operado do coração, com três “stents” nas coronárias. Se eu tivesse detonado os bandidos, o que o promotor e os jurados iriam fazer?
O brasileiro é pobre e safado. Aqueles roubaram minhas telhas: o padre pode dizer que foi por necessidade, que os delinquentes eram injustiçados sociais; pode dizer até que estavam com fome. Mas não se come alumínio. E pelo menos um não estava com fome, pois fez na caixa d’água. Quanto à sujeira que ele fez, na caixa d’água, o que é que dirá a turma dos direitos humanos? É muita molecagem, Douto Leitor. Por que ele não fez no terreiro? Ou na parte já descoberta da casa, de onde roubaram as caras telhas de alumínio? Mas dentro da caixa d’água! É caso para pena de morte.
Como o Brasil era pobre! Será que ainda é? Outrora havia, na Feira da Primavera, na antiga Estação Rodoviária, o Bar da Colher. Era um bar sem cadeiras, que servia um prato de sopa no balcão. As colheres tinham o cabo furado, amarrado por um cordão para que os brasileiros não roubassem o talher. Como se eles tivessem o que comer em casa, uma sopa que fosse à Lavoisier.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.