“Sancho não entendia a fala do Quixote quando a Triste Figura falava a linguagem dos cavaleiros”
Otávio Sitônio Pinto*
Rejane Sobreira era muito jovem em 1958, ano em que foi escrita a antologia Geração 59. O livro só saiu em 59 porque o grupo de poetas não tinha dinheiro para pagar a edição. A grana só apareceu no ano seguinte, com o livro todo pronto esperando no leito da gaveta. Assim, a Geração 59 foi mesmo Geração 58. Um movimento de jovens poetas que serviu de referência não só à poesia que se fazia na Paraíba, mas também ao teatro, cinema, pintura, música, e aos novos costumes que os jovens praticavam no Clube do Silêncio pela sociedade dos Párias. Essa atividade artística ficou registrada no suplemento cultural “A União nas Letras e nas Artes”, como era denominado o “Correio das Artes” naquele período, para que não fosse tido como uma peça do jornal Correio da Paraíba, recém-lançado.
Em 1958 Rejane só tinha 14 anos, pois nasceu em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial. Portanto, quando se alistou como voluntária nos Párias, era uma pré-adolescente que ainda não tinha debutado. Eu mesmo só cheguei aos Párias no primeiro semestre de 1962, aos 16/17 anos. Portanto, muito jovem para ser ativista de um grupo que pretendia revolucionar as artes na Paraíba. Assim, eu era figurante da pariagem – que era o grupo maior, que congregava os artistas de todas as áreas. Assim era Rejane, a bela ninfeta que emprestava sua beleza ao universo dos párias. Nem eu nem ela fizemos parte da G-59, pois não temos poemas no livro. Éramos estrelas novíssimas na constelação de jovens poetas, pintores, atores, dramaturgos e outros demiurgos das artes paraibanas.
Ao depois surgiu a produção poética de Rejane, com sua ida para o Rio de Janeiro em 1962, produção que já vai em quatro livros: “Estação Hai-kai”, “Aranha de breu”, “Relembranças à deriva” e continuada agora com seu “Recortes e dobraduras”. Se não me engano, “Aranha de breu” teve problemas de paginação, e Rejane não gostou também da escolha do papel, que foi reciclado. Mas considero o papel reciclado uma boa escolha, que vem poupar as árvores que não são sacrificadas para a confecção de livros. Tomara que os próximos sejam assim.
Rejane mandou-me os originais de seu livro inédito. Não sou crítico literário; sequer domino a linguagem em que os críticos falam das obras literárias. Ignoro seu julgamento, não sei o que dizem. Nem quero saber, pois seria acumular muita informação na minha pobre cabeça. Crítica é um gênero que me falta entender, no qual não me expresso. Por isso, não vou escrever sobre a poesia de Rejane, o que Hildeberto já fez, confira o Douto Leitor:
“Em Recortes e dobraduras, quarto livro de poemas de Rejane Sobreira, parece acentuar-se o veio minimalista de sua dicção lírica, exemplarmente explorado no exercício dos haicais reunidos em sua coletânea anterior. Aqui, no entanto, o primado da forma fixa se distende em movimentos vérsicos mais elásticos e mais flexíveis, captando a matéria poética através de um persistente jogo entre humor e imaginação, ludicidade e surpresa, som e sentido, que faz de cada peça verbal um compacto tenso e denso de possibilidades significativas.”
Eu não entendo esse discurso, como Sancho não entendia a fala do Quixote quando a Triste Figura falava a linguagem dos cavaleiros. Talvez, por isso, eu achasse a missa antiga mais bonita, rezada em latim, a língua da cruz. Embora a língua da cruz romana fosse latim vulgar, de soldados, a língua da missa era cantada no latim vernacular, como o texto de Rejane e de seus críticos.
Vejam como diz Rejane no seu “Recortes e dobraduras”:
“Mediu o tamanho / da cicatriz arguida./ Cravou no alvo / o alívio calvo / e a flecha que estagnou / o êxtase.”
Estávamos falando da cruz.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.