Ignorância, mau uso e corrupção. Segundo a Controladoria Geral da União (CGU), estas são as raízes das irregularidades encontradas pelo órgão em fiscalizações que promove por sorteio nos municípios brasileiros. Na Paraíba, 80 cidades já passaram pelo crivo do órgão, que verifica o uso de recursos enviados pelo governo federal. A maioria dos desvios é na área da Saúde, mas também há problemas na Educação e Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Os valores totais fiscalizados pelo órgão nas cidades paraibanas é de mais de R$ 664 milhões.
Saber os valores totais desviados, segundo a CGU, é impossível. Isso acontece, segundo explicou o órgão, por meio de nota, por conta do fato de que nem todo desvio é quantificável.
Com os valores fiscalizados, o Programa Minha Casa, Minha Vida poderia construir 10,5 mil unidades residenciais na Paraíba, segundo cálculo que leva em conta o valor de R$ 4,1 bilhões investidos pelo Ministério das Cidades na construção de 65.272 casas em todo o Estado. O valor equivale a 6,5 hospitais metropolitanos de Santa Rita.
Na Saúde – A área mais atingida, segundo a CGU, é a Saúde. Um exemplo é a cidade de Mamanguape, no Litoral Norte da Paraíba. O município foi alvo da fiscalização da CGU em setembro de 2012.
Entre as irregularidades encontradas pelo órgão estava o desvio de finalidade na aplicação de recursos destinados à área no valor de R$ 313.270,01. O valor correspondia a mais de 12% dos R$ 2.468.619,98 fiscalizados na Saúde municipal.
Com o valor desviado, a prefeitura poderia ter comprado do Ministério da Saúde mais de 136 mil cartelas de omeprazol 20 mg com 10 cápsulas, medicamento usado para tratamento de problemas estomacais. Ou ainda mais de 232 mil tubos de Neomicina + Bacitracina, pomada usada para tratar queimaduras e inflamações cutâneas.
A prefeitura alegou que não houve desvio de finalidade, mas que os gastos realizados foram diretamente investidos na saúde básica ou na estrutura necessária “para a realização do objeto principal”.
O relatório da CGU detalha algumas das despesas referentes a este desvio. Dinheiro público vinha sendo usado para, em vez de comprar remédios, adquirir chocolates, pão, lanches, árvore de natal, barraca de São João, móveis, camisetas de malha para campanhas especiais e outros itens usados para “realização do objeto principal”.
Chefia – O chefe da Controladoria Regional da União no Estado da Paraíba é Fábio da Silva Araújo, que integra o Fórum Paraibano de Combate à Corrupção (Focco-PB) .
Obras fantasmas – No município de Cacimba de Dentro, fiscalizado em 2013, foi notada a movimentação irregular de valores em duas contas que recebiam os recursos do Piso da Atenção Básica do Ministério da Saúde. Este dinheiro é usado para o pagamento de funcionários da Saúde da Família e da rede básica de saúde. O valor total movimentado irregularmente foi de R$ 275.873,12, que corresponde a aproximadamente 20% do valor total dos recursos fiscalizados nesta área na cidade.
Recursos oriundos de uma destas contas deveriam ser utilizados para a reforma de um centro odontológico na cidade. O valor da reforma seria de R$ 49.171,63.
Segundo o relatório de fiscalização, na época em que a fiscalização foi feita, em outubro de 2012, no prédio em que deveria estar havendo a reforma nunca havia funcionado centro odontológico nenhum. “Constatou-se que o local é destinado ao funcionamento dos Correios e de um Centro de Inclusão Digital”, declara o relatório.
Na prefeitura de Picuí, cuja fiscalização foi realizada no ano passado, foi possível identificar o desvio de finalidade de R$ 76.529,65 referentes à aquisição de medicamentos excepcionais com preços superiores aos recomendados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos.
Médico não cumpre as 40 horas semanais – Outro problema enfrentado na cidade de Picuí, no Curimataú paraibano, foi o não cumprimento por parte dos médicos responsáveis pelo atendimento em Pronto Socorro da Família (PSFs) da carga de trabalho de 40 horas semanais.
Por meio de nota, a prefeitura justificou explicando que não tinha conhecimento sobre a existência de uma tabela de preços referente aos produtos e que vai fiscalizar mais acuradamente os fornecedores. “Já obtivemos, inclusive, a tabela atualizada de preços e estamos tomando providências no sentido de cumprir integralmente as recomendações do Ministério da Saúde", alegou a prefeitura.
As irregularidades localizadas pelos fiscais da Controladoria são encaminhadas para os ministérios responsáveis pela gestão daquele recurso. “A CGU realiza o monitoramento das providências adotadas por eles, que têm a responsabilidade primária de buscar a correção dos problemas, inclusive junto aos gestores executores dos recursos federais transferidos. Ressalte-se que a CGU não detém a competência para exercer diretamente o monitoramento das providências adotadas junto às unidades municipais”, explica a CGU.
Prefeito alega falta de conhecimento – A maioria dos gestores, quando questionado sobre as irregularidades encontradas no município, dá a mesma justificativa: falta de conhecimento sobre o uso dos recursos federais. O prefeito de Bananeiras, Douglas Lucena, teve que adequar diversos procedimentos na prefeitura em decorrência de irregularidades encontradas pela CGU.
Entre os problemas enfrentados pela gestão, valores que tinham sido enviados pelo Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) à prefeitura para uso nos veículos que efetuavam o transporte dos estudantes, foi usada para manutenção de automóveis que, apesar de estarem vinculados à Secretaria de Educação, não transportavam crianças. A prefeitura teve de devolver ao programa a quantia de R$ 10.879,83. “Identificamos que o problema existiu mesmo e devolvemos os recursos na mesma hora. Imaginamos que os veículos vinculados à Secretaria de Educação poderiam receber manutenção por meio do uso destes recursos, mas não. O problema foi a falta de conhecimento sobre o uso dos recursos enviados à prefeitura”, frisou o prefeito.
Ele explicou que chega a ficar com medo de usar alguns recursos por conta da falta de conhecimento sobre onde ele pode ser aplicado. “Os municípios têm uma carência de orientação técnica. A gente recebe um recurso, mas aí tem uma medida provisória que determina alguma restrição sobre o uso daquilo, ou uma decisão do Congresso que muda o uso do recurso. A gente sente esta dificuldade na gestão”, declarou.
Para dirimir as incorreções, a gestão criou um sistema de registro de controle nas licitações. “Isso tem ajudado a criar licitações com menos erros e tem sido bastante positivo para nós. Erros administrativos terminam por prejudicar a carreira de um gestor, e isso não é nada bom”, afirmou o prefeito.
O programa foi criado em abril de 2003 e usa o mesmo sistema de sorteio das Loterias da Caixa Econômica Federal para determinar as cidades que serão alvo de fiscalizações.
Jornal da Paraíba