“[…] foi para as calçadas de Nova Orleans tocar sua gaita, chapéu no chão, para ganhar alguns trocados de esmola”
Otávio Sitônio Pinto*
É difícil encontrar uma pessoa mais sofrida de que Grandpa Elliot neste mundo de Deus. Por que ele foi o escolhido para sofrer tanto? Resignadamente, aceitou o sofrimento como uma bênção. Aos seis anos, em plena infância, o menino perdeu a mãe, assassinada pelo padrasto. O homem batia nela, até que um dia a matou. Depois, Deus deu o glaucoma ao menino para ele não ver mais a maldade do mundo. Até que um dia cegou.
Grandpa nem sempre se chamou assim. Quando era pequeno, deram-lhe o nome de Elliot Small. Mas ficou velho, como as pessoas ficam, e ganhou a patente de avô: Grandpa. Em Nova Orleans todos gostam dele, é um dos patrimônios da cidade e suas calçadas.
O menino já era órfão de pai quando o padrasto matou sua mãe. Um tio o levou para Nova Orleans, sua terra de origem. E lhe ensinou a tocar harmônica, o realejo de boca que os meninos tocavam. Em Nova Orleans todos tocam alguma coisa. Sem mãe e sem luz, Grandpa foi para as calçadas de Nova Orleans tocar sua gaita, chapéu no chão, para sensibilizar as pessoas e ganhar alguns trocados de esmola. Virou músico mendicante.
Deus tira os dentes e aumenta a goela, dizia-se antigamente. Grandpa perdeu a visão, mas ganhou a voz e a gaita. Aprendeu a cantar, como Ray Charles e Andrea Bocelli, aquele que canta “Ave Maria no Morro”, e as três cegas de Campina Grande. Vosmecê já ouviu? Tão lá no YouTube.
Grandpa faz ponto no French Quarter, ou Vieux Carré, como os habitantes de Nova Orleans chamam à zona boêmia e musical da cidade. É um bairro composto por 12 quarteirões, construído por franceses e espanhóis, com uma arquitetura característica, marcada por sobrados e balcões debruçados nas calçadas. Algumas ruas são abertas só para pedestres.ova Orleans é uma cidade à beira d’água. Ao norte está o lago Pontchartrain, ao leste o mar, a oeste, o rio – o grande Mississipi que desce do Norte, atravessa os Estados Unidos e vai desaguar e desmaguar no Atlântico. Seu porto é o mais movimentado dos Estados Unidos e o quarto do mundo. Mas, com tudo isso, a Luisiana é um dos estados mais pobres da Terra de Marlboro. Foi ali que nasceu, sofreu e vive o menino Elliot Small.
Grandpa tocou em troca de esmolas até ser gravado pelo engenheiro e produtor Mark Johnson, que reuniu numa só peça músicos desconhecidos de várias partes do mundo, cada qual tocando em seu lugar de origem. A esse trabalho Mark Johnson chamou de “Playing for Change” (Tocando por Mudanças). Nas gravações, Grandpa foi uma espécie de âncora, em que a interpretação voltava para ele. O grande sucesso foi “Stand by Me”, onde sua voz de barítono aparece com mais brilho.
Stand by Me é uma canção que muita gente pensa ser da autoria do beatle John Lennon. Foi ele que a tornou mais conhecida, mas sua autoria é de Ben King, Jerry Leiber e Mike Stoller, inspirada no espiritual “Lord Stand By Me” e no Salmo 46. Na gravação de “Playing for Change”, Stand by Me teve mais de 50 milhões de acessos. Svocê ainda não acessou, pode chamar no YouTube que Grandpa vem cantar no seu PC. É um preto velho vestido num macacão azul, com uma camisa vermelha, a barba branca de profeta, chapéu quebrado na testa, a paisagem de Nova Orleans.
Grandpa ainda não se apresentou no Mardi Gras, o Carnaval de Nova Orleans, onde as mulheres saem com os seios nus. É uma coisa linda, uma coisa louca. A vida foi muito cruel tirando esse prazer de Grandpa, de ver as mulheres de sua Nova Orleans com os seios de fora, durante um mês todo, para cima e para baixo, no French Quarter. Se você ainda não viu, pode acessar Grandpa e aquelas mulheres com os peitos de fora, como a mulher de Urias, que seduziu o rei David e pariu Salamão.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.