“Quantos hospitais poderiam ser construídos com as verbas de doze estádios? E com as verbas da infraestrutura da Copa?”
Otávio Sitônio Pinto*
Quando me perguntam sobre o que escrevo, respondo que comento o noticiário. Isto é, quando escrevo artigos. A prática de fazer notícias, todos os dias, me deu essa competência. É uma presunção, eu sei, mas referendada por um número significativo de leitores que aprovam meu texto, que se manifestam por meio do e-meio (sem trocadilho; até que procurei outras palavras, mas as melhores foram essas).
Não me limito a comentar o noticiário; há leitores que me pedem crônicas, como um ilustre professor de português. Meu ex-professor; não, não é ex, pois que de vez em quando lhe telefono para tirar alguma dúvida surgida no exercício da última flor do lácio. O ilustre mestre ainda é meu professor. Quem é? Acho que não devo dizer, para ninguém pensar que estou fazendo média com o licenciado.
Sou meio encabulado para fazer crônicas, pois considero este espaço uma espécie de mandato, de tribuna, em que devo defender a comunidade nos casos em que seus eleitos se omitem, ou nos casos em que se manifestam e que merecem apoio. Atuo, assim, como um tribunus plebis. Mas, “aquele espaço também é de crônica” – insiste o mestre. E às vezes cometo esses textos, cometo e comento coisas da memória, farrapos da paisagem, minutos do cotidiano, humildes efemérides dos séculos.
Há dias em que o tempo é fértil dessas coisas, de fatos importantes sobre os quais se fazem artigos, ou fatos pequenos demais para ser notícias, com os quais se faz a crônica, como disse Gonzaga Rodrigues. Hoje é um dia fértil de assuntos. Anteontem morreu Marinho, lateral-esquerdo da Copa de 74. Marinho morreu na capital da Paraíba, na UTI do Hospital de Emergência e Trauma. Voltarei ao assunto.
A véspera da copa que se avizinha está carregada de nuvens cinzentas: morreram dois narradores esportivos – Luciano do Valle e Maurício Torres. O ano já nos havia levado os dois Santos – Djalma e Newton Santos, das Copas de 58 e 62. Agora, levou Marinho. Não é um bom augúrio para a Copa que está para começar daqui a nove dias.
Outro assunto que devo abordar nesta semana: o assalto sofrido por um nome das artes brasileiras, numa praça desta Capital, quando fazia sua caminhada em plena luz do dia. Os guardas viram e nada fizeram. Outro mais: se a eleição fosse hoje, o Brasil perderia a Copa por W.O (walk over). Poucas pessoas iriam a campo, talvez nem os jogadores. É o que diz a pesquisa do Ibope. Dessa vez, parece que o Ibope está certo. É politicamente incorreto torcer pelo Brasil, diz o Estadão. É como votar em Maluf, diz o jornal. Mas fica pra depois.
Na semana que findou, morreu uma pessoa a qual acompanhei na sua agonia. Você leu a crônica de quinta, 29/05/2014, em que comentei a dificuldade para um doente ser internado num hospital brasileiro? Marinho achou logo albergue no Traumão, mas Francisca ficou um dia no corredor do Trauminha; quando foi para a UTI, morreu. Não culpo a equipe que lhe atendeu, pois o problema foi da falta de leitos, disseram.
Quantos hospitais poderiam ser construídos com as verbas de doze estádios? E com as verbas da infraestrutura da Copa? A Fifa deveria ter exigido um mínimo de hospitais com o seu padrão, para atender os torcedores internacionais que teimam em vir para o brasilaço de 2014. Francisca poderia ter sobrevivido à sua crise. Ela sobreviveu ao périplo por uma clínica popular, duas vezes a uma Unidade de Pronto Atendimento, duas vezes a um hospital público e, por fim, ao Trauminha de Mangabeira, onde morreu à falta de vagas. Ao todo, passou por seis unidades de saúde.
Não há mais tempo de se fazer hospitais para a Copa, mas ainda dá pra se fazer alguma coisa visando as Olimpíadas. Se não for do lado da sombra, nas gerais do lado do sol – cara ao sol, como nas touradas da Espanha franquista.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.