A literatura não é outra coisa além de um sonho dirigido
Jorge Luís Borges
Por Thiago Gonzaga*
Freud disse certa vez: “seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta/romancista já passou por ele antes de mim”. O pai da psicanálise não criou apenas uma bela frase, ele defendia os escritores criativos em geral, e enfatizava que eles tinham acesso a fontes que ele próprio ainda desconhecia, e que ainda não eram acessíveis à ciência, e que estes sabiam, muito antes dele, todos os modos possíveis do funcionamento mental.
Retomo essa frase filosófica de Freud depois de ter lido o romance “ A Dançarina e o Coronel” do escritor “potiparaibano” Aldo Lopes, nascido na Paraíba , mas radicado no Rio Grande do Norte, há mais de dez anos, inclusive vencedor de um Prêmio Câmara Cascudo, com um dos melhores romances publicados em solo potiguar neste inicio de século, “ O Dia dos Cachorros”.
Porém, de onde ele é, é o que menos importa; o que importa é que Aldo Lopes é um escritor do Nordeste, um escritor do Brasil e um escritor universal. Aldo Lopes consegue no seu novo livro uma fusão do mágico com o real, em uma escrita simples e ao mesmo tempo deslumbrante, numa junção do natural ao sobrenatural – uma escrita muito parecida com a vertente da literatura denominada Realismo Mágico.
Um dos movimentos literários mais importantes do século 20, o Realismo Mágico colocou a América Latina no mapa mundial da literatura. Com elementos fantásticos em histórias cotidianas, o Realismo Mágico, ganhou projeção internacional principalmente na década de 60, destacando-se com a obra “Cem Anos de Solidão” de Gabriel Garcia Márquez. Embora Jorge Luís Borges não seja considerado dessa linha, é sabido que ele foi um dos primeiros a escrever sobre o tema nos anos 30.
A narrativa de Aldo Lopes já começa de forma inteligente com uma epígrafe de prender qualquer leitor que venha a abrir o livro: nela fica subentendido que foi o falecido avô dele quem contou as histórias que compõem o enredo de “A Dançarina e o Coronel”, tendo a cidade de Princesa como cenário. Uma série de histórias acontecem, misturando vários personagens, em situações poéticas , cômicas e que podem inclusive ser lidas em capítulos de forma isolada. Há uma variedade de tipos humanos , como o fotógrafo, o cigano, o mágico, o atirador de facas, o dono do circo, o juiz, o coreano, o coronel. A personagem principal, Mara Rúbia, enfeitiça a todos. Por falar em nomes, os nomes dos personagens deste romance dariam um belo estudo.
Tudo decorre numa narrativa dinâmica, que inclui também expressões orais populares do Nordeste, especialmente do lugar sentimental de Aldo Lopes, a terra de Princesa. O Rio Grande do Norte aparece numa passagem em que alguns personagens vão em direção a Mossoró “pela rota do sol e do sal”.
Aldo Lopes, com o seu modo de narrar, envolve todas as dimensões da imaginação, misturando sonho, magia e cotidiano. Ele trabalha com várias noções do real e do maravilhoso, e o faz com identidade e estilo próprio, procedendo uma junção de aspectos multiculturais. Impressionante como o escritor coloca bem as figuras de linguagem. Metáforas, hipérboles são usadas de forma muito inteligente.
Aldo Lopes contribui bastante para tirar o romance atual dessa crise de aparente falta de criatividade. Na sua obra existe uma força fabuladora, que conquista o leitor e deixa o desejo de reler.
É uma espécie de literatura que explora a riqueza da narração oral, numa escrita refinada de par com uma certa experimentação verbal. E assim resgata características da sabedoria popular, em que o conteúdo mágico não se dá apenas sob este aspecto, mas pela própria mágica de contar a história.
Uma pena que o Brasil entrou tarde no Realismo Mágico, e não se beneficiou tanto deste movimento; sem contar os precursores J.J. Veiga e Murilo Rubião, talvez apenas Guimarães Rosa refletiu em sua obra traços e características parecidos com os desse boom latino-americano. No Rio Grande do Norte ao que parece somente o escritor Nilson Patriota com o romance “Um Gosto Amargo de Fim” fez jus ao movimento.
O Realismo Mágico – devemos ressaltar – não é apenas uma literatura latino- americana, é universal.
A literatura Nordestina, na atualidade, tem muitas marcas. Porém, a de Aldo Lopes destaca-se, com a sua capacidade fabuladora, inventiva, tentando dar um novo vigor às letras.
* Thiago Gonzaga é pesquisador, especialista em Literatura Potiguar pela UFRN.