“Amarildo substituiu Pelé, que se contundiu. Substituiu mesmo, pois nem Pelé é insubstituível”
Otávio Sitônio Pinto*
Ia me esquecendo de desejar Feliz Copa ao Douto Leitor. Mas faltam três partidas para terminar o campeonato mundial, ainda é tempo. Com votos de felicidade e um tanto de sorte, o time do Leitor até que pode ganhar. Time que nem pode ser o Brasil, pois A União é um jornal lido pelo mundo afora e tem leitores em muitos países. Leitores de outros países, mas que torcem pelo Brasil. É o caso de José Filipe, morador de Vila Nova de Gaia, em Portugal. Depois que a Seleção portuguesa voltou para casa, Filipe passou a torcer pela Seleção Canarinha – aquela da camisola amarela.
Camisola é como se chama em Portugal às camisas e camisetas. Não sei se na pátria de Camões camisinha se chama camisola-de-vênus; parece que o nome é outro. É não; fui ao dicionário e constatei que a dita camisinha se chama camisa-de-vénus, assim com acento agudo em vez de circunflexo, como em António e Sitónio. Aproveito a ocasião para lembrar, mais uma vez, que meu sobrenome é sinónimo de trácio, nome do povo que morava no sudeste da Europa (o revolucionário Espártacus, herói preferido de Marx, era um sitônio). Sinônimo também de vento norte, ou aquilão sitônio.
Alô, José Pereira Filipe, você ainda está acompanhando os jogos da Copa? Os jogos estão sendo ganhos na prorrogação, ou mesmo nos pênaltis. As partidas têm sido muito disputadas, haja coração. Aqui na minha cidade um torcedor teve um infarto, mas sobreviveu. Já os cachorros não têm tido a mesma sorte: sei de dois que morreram de enfarte, assustados com os fogos. As pessoas não se lembram de botar chumaços de algodão nos ouvidos dos cachorros por ocasião dos eventos em que se soltam fogos.
Os cães têm uma audição cinco vezes mais aguçada que a de seus donos, e sofrem muito na época junina ou em dia de jogos. O meu cachorro, Dom Pedro III, não tem medo de fogos, mas se incomoda muito com as explosões. Dom Pedro (também chamado Peter Pan) fica querendo morder as bombas. A autoridade devia proibir a queima de bombas de grande calibre. Lembro-me de meu avô, velho, cardíaco e em crise, numa noite de São João. Mas sobreviveu, assim como sobreviveu ao tiroteio de Misericórdia, quando sua cidade foi cercada pelas tropas de Princesa, na Guerra da Perdição. Gratulino chefiava um piquete; usava um rifle comblain.
Eu já disse a Filipe que o Brasil só ganha esta Copa se os artilheiros Hulk e Fred voltarem a marcar. Hulk marca em 75% dos jogos em que participa, mas nessa Copa não marcou nenhum golo. E Fred só marcou um. Não se pode ficar esperando que Neymar ganhe a Copa sozinho. Dizem que Garrincha ganhou a Copa de 62, mas os outros ajudaram. Amarildo substituiu Pelé, que se contundiu no começo da Copa. Substituiu mesmo, pois nem Pelé é insubstituível, e marcou os golos nos cruzamentos feitos por Garrincha.
Quem dizia que Garrincha ganhou a Copa de 62 era Nílton Santos. Foi ele, Nílton, que inventou o lateral avançado naquela partida contra a Áustria, – jogada que estão usando até hoje. Fez parte da Seleção de 50 (no banco), das seleções de 54, de 58 e de 62. Foi ele o sparring que enfrentou e aprovou Garrincha quando Mané foi testado para jogar pelo Botafogo. Nílton era chamado a “Enciclopédia do Futebol”, e tinha autoridade para dizer que Garrincha ganhou a Copa de 62. Mas Mané não estava só. No outro lado do campo tinha o próprio Nílton, tinha Zagalo, na ponta da lança tinha Amarildo. Garrincha et alii ganharam aquela Copa.
Quem duvidar acesse o YouTube, chame as finais de 58, de 62. Naquele tempo, a gente acompanhava os jogos pelo rádio. A transmissão chegava baixinho e chiando muito, o locutor parecia driblar nossos ouvidos colados ao rádio. A atenção era absoluta, precisávamos adivinhar o que o “speaker” dizia. Hoje, com a maravilha da TV e seus tantos recursos, é melhor assistir em casa de que no campo. Digo isso porque já vi a Seleção jogar, ao vivo, no Beira Rio de Porto Alegre e em Maracanã. No estádio não tem replay, câmara lenta, tira-teima, zoom. Das arquibancadas nem se identifica direito os jogadores, não se lê os números de suas camisolas – Zagalo e Nílton confundidos na banda esquerda do campo, o lateral fazendo às vezes de ponta, o ponta de lateral.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.