“O Paraíba é o lugar onde o sol nasce primeiro e que deu o nome Brasil ao Brasil”
Otávio Sitônio Pinto*
Momento infeliz esse da letra de “Meu sublime torrão” quando diz “não tema fama da baiana, mas a paraibana sabe amar com sedução”. Que fama é essa, a da baiana, que a paraibana não tem? Será a má fama de Maria Bonita, a baiana de Malhada da Caiçara, que botou cangalha no marido e se bandeou com um cangaceiro? Graças às deusas essa fama a paraibana não tem.
As paraibanas do meu tempo eram bonitas para baiana nenhuma botar defeito. Nos anos cinquentas desfilavam sua beleza, no itinerário para o colégio das Lourdinas, Zuleidinha Albuquerque, Iara Carmen, Conceição Oliveira e seus olhos verdes, acompanhada pelos olhos também verdes de Simone Dantas. Lembro-me das cores de Conceição, “Ceiça” daqueles tempos: os olhos verdes, a tez de jambo, o maiô lilás no corpo esbelto à beira-mar de Tambaú, onde hoje está o hotel.
Elas não tinham a fama da baiana, nem precisavam.
O verso de “Meu sublime torrão” lembra a anedota que se conta com a TAP (Transportes Aéreos Portugueses), o jingle da TAP terminando assim: “em frente à Varig, Varig, Varig!” Há quem diga que “Meu sublime torrão” tem a parceria, do Professor Arnaldo Tavares, que substituía qualquer professor de qualquer disciplina na antiga Faculdade de Medicina. Ele pode ter feito a melodia, ou mesmo a letra, mas aquele verso o Professor Arnaldo não fez. Um verso bastante ruim, como diz o pintor Raul Córdula.
Por que o autor foi cometer esse verso, no meio de uma composição mediana? Terá sido a necessidade ditada pela rima? Era melhor ter rimado com banana, como na marchinha de Chiquita Bacana. Rima dá nessas coisas. A rima tonante, tão bem usada por Garcia Lorca, oferece uma gama muito maior de opções para o texto, além da surpresa poética que a rima rica empobrece quando anuncia a possibilidade do verso terminar assim e assim, conduzido pela consoante de apoio e outras camisas de força parnasianas.
Lembro-me dessas coisas por conta do aniversário da Paraíba, celebrado no cinco de agosto de anteontem. Insistem no dizer que é o aniversário da cidade. É, mas é também o aniversário do estado, o aniversário da Paraíba. A celebração devia ser estendida a todas as cidades da província, Campina Grande acendendo a maior vela do mundo.
Foi para uma comemoração dessas que Gonzaga Rodrigues, quando era secretário da Comunicação do Estado, encomendou-me o roteiro de um filme de propaganda. Fiz a peça, entreguei a Gonzaga e viajei para Guarabira, onde trabalhava no Posto Fiscal do Ligeiro. Gonzaga aprovou o texto, mas repassou o roteiro para sua equipe, composto ainda por Luís Augusto Crispim, Chico Mozart e Martinho Moreira Franco – os dois primeiros precocemente saudosos.
O arremate do roteiro era a afirmação que você já conhece, que a Paraíba é o lugar onde o sol nasce primeiro no Brasil. Crispim, Chico e Martinho enxugaram meu texto que terminou com o slogan “onde o sol nasce primeiro”: uma verdade velha que ninguém tinha visto, e que eu tive o mérito de ver, segundo Gonzaga de nós todos, registrada no seu livro de crônicas “Filipeia e outras saudades”, página 16, in “O pau da Paraíba”.
Vamos mudar o verso? Paraibana pode rimar com bacana, até com banana, sacana e caninana; só não pode é empinar a baiana. A paraibana já tem uma associação negativa oriunda do baião “Paraíba’, aquela de mulher macho. Mas, antes do baião “Paraíba”, o prejuízo veio do topônimo do lugar, terminado por “a”, e que deveria ser masculino, como o Pará, o Paraná, o Ceará, o Roraima e outros de origem indígena. O Paraíba é o lugar onde o sol nasce primeiro e que deu o nome Brasil ao Brasil, segundo a crônica histórica da História da Conquista da Parahyba (Sumário das Armadas), p. 30: “O páo desta capitania é o mais e o melhor que se sabe; por ser a derradeira d’este estado, deu nome a toda a província.” Pergunte a Gonzaga.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.