“- Ivo, você toca violão?
– Não, Pária; seria o ápice da perfeição.”
Otávio Sitônio Pinto*
A Lagoa de Dona Maria, ou Lagoa do Detrás, ou Lagoa das Marrecas, de há muito chama a atenção de poetas, cronistas, políticos e passantes. Moças se suicidaram nas suas águas, por conta de perdidas paixões. Hoje, anônimas paixões. O filho de Adonias, o Alfaiate, surtou e nadou até se enganchar na vegetação subaquática e se afogar. Uma noite, numa cheia, a moça que morava na Rua 13 de Maio, na lateral da Igreja da Misericórdia, foi arrastada pelo canal que passava sob o seu leito. Numa comemoração da Semana da Pátria, a balsa do Exército virou e morreram afogadas mais de 40 pessoas.
Essas e outras deram origens a propostas esdrúxulas. Houve aquele candidato a vereador que propôs, durante a campanha, “botar uma tampa na lagoa para as moças não morrerem mais afogadas”. Outro queria fazer uma ponte, de um lado a outro, para evitar o trajeto que ora se faz no anel interno. O mesmo anel interno que se quer eliminado no projeto de reforma do Parque Solon de Lucena – seu nome atual. Quer dizer, o nome atual mesmo leva um acento no primeiro “o”, assim, “Sólon”. Coisas da cibernética: os programas de computadores não aceitam o original Solon. E a nova grafia da NET já passou para as placas da Prefeitura, onde está grafado o nome do Parque com o acento outrora inexistente.
Políticos faziam seus comícios no Cassino da Lagoa, voltados para o povo de costas para as águas. Em volta do lago, as girândolas de fogos refletindo-se no espelho líquido. No centro, a fonte luminosa que se acendia intermitente, conforme o zelo dos gestores municipais. Já em 1937 a Lagoa se fez presente no samba exaltação da cidade, “Meu sublime torrão”, onde o autor menciona a Lagoa e seus gansinhos. Não conheci esses gansos; conheci as marrecas e, hoje, as garças, que não havia no meu tempo. Sou do tempo de Roberto Carlos e não dos gansos.
Diz-se que o bosque da Lagoa foi um projeto de Burle Marx, assim como o traçado da Praça da Independência e das avenidas João Machado, Almirante Barroso, Maximiniano Figueiredo, Pedro I, Epitácio Pessoa e adjacências. Mas se diz, também, que Burle Marx negava essa autoria, do que seria o seu primeiro projeto paisagístico.
Lagoa da Bambu. A pequena burguesia boêmia baixava na churrascaria Bambu, fosse para almoçar ou para jantar, ou amanhecer o dia na “minha pátria” do escritor Virgínius da Gama e Melo. Os intelectuais, com ou sem aspas, varavam as noites na churrascaria gerenciada por Olívio e servida pelos garçons Assiz, Zé Paulo e outros coadjuvantes.
Lembro-me de seus poetas: Vanildo Brito, Jomar Souto, Sérgio de Castro Pinto; e de seus pintores: Raul Córdula, Archidy Picado, Celene; e de seus escultores: Ademar, Breno Mato; e dos jornalistas: Jório Machado, Jota Jota Torres, Otinaldo Lourenço. E dos universitários: Péricles Farias, Rubens Pinto, Paulo Dutra, Alberto Jorge, Iremar Bronzeado, Simone Dantas, Lís Carlos Cavalcanti, Marcos Wandeley. E de seu filósofo existencialista Ivo Bichara.
– Ivo, você toca violão?
– Não, Pária; seria o ápice da perfeição.
Lagoa de crimes terríveis, onde jovens da burguesia mataram um taxista a troco de nada. Luta de classes. Um poeta, cognominado de Caixa D’Água durante a ditadura militar, escreveu um verso em que se referia às “águas bravias da Lagoa”. Muito bravias, tsunâmicas.
O agrônomo Gabriel Barbosa de Farias deu à Lagoa os primeiros alevinos de tilápia da Paraíba. Entrementes, os hospitais só tem vagas na pedra, na lousa. Susto.
Agora, querem reformar a Lagoa. Tirar seu anel interno: vai dar um nó no trânsito, já difícil com dois anéis. Construir vários equipamentos de lazer: o entorno já não abriga mais casas de família, que se foram com a deflação demográfica da área. Dragar o seu leito, aumentando sua profundidade em 3,5 metros. Perdi um açude assim, um açude que passava de ano para outro com água. Fiz o “benefício”, de tirar-lhe a terra, e o açude não segurou a água mais que poucos meses. A terra decantada havia impermeabilizado, colmatado seu leito. Sua retirada, na esperança de aumentar a cubagem do açude, fez a água ir-se pelo que, em língua da Seca, se chama revença.
Querem fazer monumentos a ilustres artistas. O poeta Augusto dos Anjos tem lá uma estátua, frequentada pelos passarinhos que depositam na sua cabeça o maná da eternidade.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.