“Se você foi um dos que leram as crônicas de terça e quinta, desconsidere a barriga que dei”
Otávio Sitônio
Um dos objetos mágicos da infância é a caixa de lápis-de-cor. Nela estão guardadas não só todas as cores, mas todas as formas. Eu gostava especialmente do amarelo queimado, do bordô e do azul escuro. Mas todas as cores tinham sua magia, principalmente o encarnado e o azul, dos respectivos cordões. Desde menino sou do encarnado.
Gostava de desenhar casas, navios e pessoas. As casas sem perspectiva, com seus telhados quadrados, terminando abruptamente na parte de trás. E os navios com as bandeiras para a frente, contra o vento. Um dia a babá chamou minha atenção para as figuras das mulheres sem peitos.
– O que é peito?
Eu ainda não sabia o que era peito, figura tão bem guardada na minha caixa de lápis. Naquele tempo não havia as revistas de mulheres peladas, tão abundantes de peitos e quê mais. Um dia, notei a barriga da vizinha da frente. Enorme. E passei a arremedá-la, perguntando aos adultos por que a barriga da vizinha era tão grande. Não souberam me explicar, mas riram muito. E passaram a me pedir que arremedasse a vizinha com seu bucho pela boca. E riam.
Eu não sabia por que uma barriga pudesse ser tão engraçada, e arremedava a barriguda sempre que me pediam. Ela mesma achava graça, o bucho balançando enquanto ria. Devia ser uma barriga maior que a das outras buchudas. Havia uma barriguda na casa pegada com a dita buchuda, mas eu nunca notei. Soube apenas que a cegonha trouxe um menino para essa vizinha no dia em que ela se mudou. Com certeza, foi o estresse da mudança que apressou o parto.
Uma tia minha, quase vizinha, também estava buchuda, mas eu não percebera. Soube, depois, que a cegonha trouxe uma priminha. E observei que o mundo era assim: morreu vovó Tida, nasceu a neta Beta, no mesmo ano. Eu percebera a conta da reposição da espécie sem dar conta da barriga da tia, responsável por essa reposição. Naquele tempo as mulheres ficavam barrigudas. Hoje, na minha rua, não tem nenhuma buchuda. A cegonha não tem mais trabalho, não voa mais.
Isso não impediu que eu desse uma barriga nas crônicas de terça e quinta-feira. Pra quem não é do ramo, barriga é uma notícia inverídica. Eu anunciei, por duas vezes, o jogo Brasil Argentina para a quinta-feira passada. Ora, o jogo ainda vai acontecer em novembro. Não sei onde foi que li a tal notícia. Foi uma barriga maior que a da vizinha do meu tempo de menino, barriga que murchou quando a cegonha trouxe um menino novo.
Se você foi um dos que leram as crônicas de terça e quinta, desconsidere a barriga que dei. Não sei explicar como foi que aconteceu a notícia do inacontecido. Na quinta, escrevi a crônica esperando a transmissão do jogo pela TV. Mas o jogo não veio, e eu estranhei, não entendi a falta de interesse dos patrocinadores em não bancar a transmissão de um jogo da Seleção.
Na crônica de quinta, o editor deu um jeito, botando um nariz-de-cera que justificava o texto. Mas o rabo do gato ficou aparecendo no final meio sem explicação. A barriga não foi sortilégio da minha caixa de lápis. Foi um lapso (sem trocadilho) que acontece no dia-a-dia da imprensa. A propósito, tentei levantar a origem da expressão “barriga” para essas notícias estapafúrdias, mas não achei a origem do termo.
Será que Solha sabe? Ele percebeu o meu erro, mas sua correção só chegou depois que enviei a matéria para o jornal. Mando primeiro para ele, que é o meu primeiro revisor. Outro que deu retorno foi meu primo Alexandre, vulgo Roque Pinto, Excelentíssimo Juiz do Trabalho. Ele faz parte da minha lista da NET. Remeto para a lista ao mesmo tempo que envio o texto para o jornal.
Quem quiser me corrigir faça antes das doze, que é a hora em que a página fecha. Depois disso nem a cegonha dá jeito, a barriga não murcha mais, e os adultos vão rir de mim arremedando as buchudas.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.