“Os bombeiros tentavam apagar o fogo jogando terra, cada qual com uma pá. Nós os meninos olhávamos tudo, bem de perto”
Otávio Sitônio
Voar é muito perigoso, até para as aves. Uma rolinha chocou-se contra a parede branca, provavelmente encandeada, no quintal lá de casa. Morreu. Um homem da caatinga me disse que encontrou um gavião estrepado num galho da vegetação rasteira. Os gaviões costumam dar mergulhos e voos rasantes para capturar pequenas presas; aquele não saiu do mergulho a tempo e se estrepou.
Eu já vi três acidentes aéreos. O primeiro quando eu era menino, aí pelos meus oito anos: dois aviões se chocaram quando procuravam aterrissar no Campo da Imbiribeira, ou de Tambauzinho, ali em frente ao 1º Grupamento de Engenharia. Eram um NA T6 – monomotor de treinamento da FAB –, e um Piper Paulistinha, monomotor de treinamento básico, daqueles fabricados por Baby Pignatari.
O campo não tinha rádio e os aviões tentaram o pouso simultaneamente, sem os pilotos verem um ao outro. O NA vinha por cima, e pegou o Paulistinha. O trem do NA entrou na cabine do Paulistinha e atingiu a cabeça do piloto. Desceram engatados, passaram baixinho por sobre uma choupana que havia perto da cabeceira, derribaram um grande cajueiro e se estatalaram perto da pista.
Os bombeiros tentavam apagar o fogo jogando terra, cada qual com uma pá. Nós os meninos olhávamos tudo, bem de perto. O campo ficava a pouca distância lá de casa. Morreram os três que vinham nos aviões, acredito que mais pelo fogo. Disseram que havia uma corrente de ar descendente em cima do campo, corrente que teria empurrado os aviões para baixo. Mas a corrente empurrou os dois de uma vez. Pode ter sido, mas é fato que o piloto do NA não viu o Paulistinha.
Você viu o monomotor que caiu no cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Princesa Isabel, na esquina do Lyceu, num fim de tarde? Dizem que o avião tentou pousar no campo de futebol que havia acima do Lyceu, mas o campo estava ocupado por jogadores e estes não entenderam a emergência, e continuaram a jogar. Eu vi: o fogo envolveu o avião, matando seus ocupantes.
Você viu o ultraleve que caiu na calçadinha do Cabo Branco, na manhã de domingo? Ele vinha voando baixo e devagar, por sobre a praia, quando perdeu sustentação e embicou. Vi, seus dois ocupantes morreram. É difícil escapar alguém nos desastres de avião. Tenho um parente que escapou: o pediatra Paulo Soares sobreviveu à queda de um monomotor. Paulinho teve sorte.
Você se lembra do voo 447 da Air France, que mergulhou no Atlântico, entre o Brasil e a África, na noite de 31 de maio para 1º de junho de 2009, matando 228 pessoas? Não houve sobreviventes. Mas houve uma pessoa que sobreviveu, porque não embarcou. Os pesquisadores da Air France, da Air Bus, do governo francês e do governo brasileiro não sabem disso.
Uma prima minha recebeu um recado do nosso Tio Zepereira (o de 1930, o de Princesa) para não embarcar. Ora, tio Zé morreu em 1949, e a tragédia se deu 60 anos depois. Mas Tio Zé comparece às sessões espíritas de um centro no Recife. Há um médio no dito centro que recebe Tio Zé e João Dantas. Na véspera do voo fatídico, Tio Zé baixou no centro. Deu um recado ao médium, que transmitiu a mensagem ao irmão de minha prima – um engenheiro mecânico que frequenta o centro: “diga a sua irmã que não embarque nesse voo”.
A prima não embarcou. É a única sobrevivente do voo 447 da Air France, que mergulhou no mar depois dos rochedos São Pedro e São Paulo, em pós o arquipélago de Fernando de Noronha. Não dou crença a espiritismo, mas o fato é fato. Talvez a parapsicologia explique, talvez. Como é perigoso voar! Entre 2007 e 2009 caíram dois Air Bus no Brasil; ninguém escapou, só a prima.
Lembra-se da tragédia de Congonhas? Morreram 187 pessoas que vinham no avião, mais 12 que estavam em terra; faltou uma pra 200. O Air Bus estava sem o reversor direito, a pista sem as ranhuras. Mas o piloto já havia pousado na dita pista naquele dia, ou noite.
Ainda vou perguntar a Tio Zé e João Dantas se eles sabem de alguma coisa.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.