“Getúlio tinha sido ministro de Washington que se dava bem com Pessoa, que fora candidato a vice. Tutti amici”
Otávio Sitônio
Daqui a um século vai ser difícil para o leitor de A União saber se houve eleições na Paraíba. Este jornal não é mais político. Há alguns anos, o jornal engajou-se na campanha política de modo tal que fez pender a balança para uma das bandas. Não pode nem deve fazer isso, pois o secular jornal – o terceiro mais antigo do Brasil em circulação – é um jornal do Estado.
Às vezes alguns gestores confundem as coisas e pensam que A União – também chamada de A Velha, por ser o terceiro mais velho – alguns gestores pensam que este jornal é do governo, quando não é, pois governo não é Estado. Do governo serão outros. Eu posso dizer, pois já entrei n’A Velha sete vezes – e saí seis, que dessa vez ainda não saí.
Hoje, o que inspira a pauta d’A Velha são assuntos de maior profundidade, mais que o diz que disse. A cultura, a História, a comunidade e seus problemas, isso é o que faz a pauta d’A União. As eleições ficam para os outros, que são privados e podem se envolver nesse tema polêmico e passional. Aliás, as eleições no Brasil nunca mais tinham tido um caráter tão passional como agora.
As pesquisas demonstram isso, com uma instabilidade de alto e revolto mar. Ontem era um candidato que estava à frente, hoje é outro, amanhã será estoutro, depois aqueloutro, em pós desoutro. Não existe essa palavra? Fica inaugurada: desoutro. Mas hoje A Velha não fala em política, assunto volátil demais para um jornal de Estado, quero dizer do povo.
Nunca se viu no Brasil uma eleição tão instável, hora dando outro, estoutro, desoutro. Nem a eleição de Trinta. O quadro político de Trinta foi tumultuado, bravio como o mar da História, mas a eleição nem tanto. O candidato da situação, Júlio Prestes, ganhou. A oposição já havia se acomodado com o resultado, o presidente Washington Luís era amigo da chapa derrotada.
Todos de casa: Getúlio tinha sido ministro de Washington que se dava bem com Pessoa, que fora candidato a vice. Tutti amici. Aí mataram Pessoa. Culpa d’A União, ou de quem mandava n’ n’A União. Quer ver, faça um retrocesso e vá para A Velha de Trinta. O jornal esculhambava com o advogado João Dantas, sua família e sua namorada, como nunca esculhambou e escrachou ninguém.
Não deu outra: o governador (presidente) foi ao Recife, onde estava exilado João Dantas – pois não havia segurança para ele na Paraíba. E Dantas detonou o presidente (governador). Aí o mar emborcou. O governador-presidente fora o candidato a vice-presidente da república na chapa de Getúlio, a chapa derrotada. Embarcaram o cadáver do vice no navio e levaram-no para o Rio.
O vice e a primeira dama não gostavam da Paraíba; seu domicílio pessoal continuava no Rio, onde morava a família. Foram parando de porto em porto, desembarcando o cadáver e fazendo um comício. O que não fizeram na campanha aliancista. A Aliança Liberal já havia morrido, mas ressuscitou por sortilégio da múmia de seu vice. E veio o golpe de Trinta.
Desta vez, houve coisa parecida. A morte do candidato Eduardo Campos provocou uma reviravolta na campanha. Sua vice Marina foi alçada à cabeça da chapa e disparou nas pesquisas, aparecendo vitoriosa no returno. A Nação ia votar em comoção. Mas o luto foi passando e o eleitor se acalmando. As pesquisas começaram a mudar, com Aécio Neves disputando o segundo lugar.
Aécio é representante da oligarquia Neves, neto de Tancredo. Uma das últimas oligarquias no Brasil, como a dos Sarneys no Maranhão de Pedrinhas. O golpe de Trinta foi um tiro pela culatra: deu vez a uma ditadura de 15 anos e matou a oligarquia dos presidentes Pessoa. Fez nascer outras oligarquias no Brasil. Mas as neves eternas estão se derretendo, pt.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.