“Não te esqueças que te amo assim, / não te esqueças nunca mais de mim”
Otávio Sitônio
Montes Claros é uma das maiores cidades do interior do Nordeste. É o polo do Norte de Minas, região hoje inserida no Polígono das Secas, e, portanto, no Nordeste Legal, ou seja, na área da Sudene. Sem nenhum favor. A cobertura vegetal de Montes Claros é um misto de cerrado e caatinga, como são algumas áreas do sertão baiano. Montes Claros fica ao sul da Bahia, onde Minas faz estrema com a terra de Castro Alves, ou de Rui Barbosa, se você preferir. A cidade já conta 400 mil almas, tem universidades e uma animada vida econômica.
Juntamente com o Vale do Jequitinhonha, que tem como polo a cidade de Teófilo Otoni, e o Vale do Mucuri, centralizado por Almenara (antiga Vigia, que quer dizer a mesma coisa), o Norte de Minas vem compor, com essas regiões, os 85 municípios mineiros engajados voluntariamente na Sudene. Somem-se esses 85 os 27 municípios do norte do Espírito Santo, também inseridos no Polígono das Secas, e a Sudene contará com 112 municípios além Nordeste, perfazendo um total de 1990 comunas, se outros distritos já não foram emancipados na febre de captação de verbas.
Assim, o Nordeste do intelectual Antônio Conselheiro e do Padre Cícero conta com oito estados – Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe –, mais as frações de Minas Gerais e do Espírito Santo. Não foi gratuitamente que chamei o Conselheiro de intelectual; ele era mestre-escola, professor de Português, História e Geografia, e quiçá Latim; e requerente, que era o antigo advogado de ofício, ou dativo, o atual defensor público. Era um rábula, autodidata em Direito e Humanidades. Bom orador sacro, o Vieira do Sertão.
Por que estava a falar em Montes Claros? Porque a capital do Norte de Minas é a terra do seresteiro João Chaves, autor de “Amo-te muito” e outras modinhas imperiais. “Amo-te muito” foi gravada por Maria Lúcia Godoy, Nara Leão, Berenice Chaves e outras vozes brasileiras: “não te esqueças que te amo assim, / não te esqueças nunca mais de mim”. /Maria Lúcia Godoy foi nomeada por Bidu Sayão como sua sucessora. Já está com 90 anos, dos quais viveu um bom tempo com o maestro Isaac Karabthevsky, com quem foi casada.
Ouvi “Amo-te muito” pela primeira vez no velório do maestro Pedro Santos, na igreja do Carmo, na capital da Paraíba, nas vozes do Coral Universitário criado pelo próprio maestro. Ele era um fundador compulsivo; um dos criadores do Cinema Novo Brasileiro, autor da trilha sonora dos documentários Aruanda, Romeiros da Guia e Cajueiro Nordestino. Não sou eu quem diz, foi Glauber Rocha que atribuiu à Paraíba o berço do nascimento do Cinema Novo. Depois, ouvi “Amo-te muito” no rádio, por voz masculina que não sei quem é.
Como o Conselheiro, João Chaves era um rábula. Minas reconheceu o desempenho desse prático do Direito quando deu seu nome a um presídio. Homenagem que o rábula provavelmente rejeitaria se pudesse opinar. A família do advogado Raymundo Asfora protestou diante de homenagem semelhante, quando colocaram o nome do tribuno no presídio de Campina Grande, o popular “Serrotão”, no poente da cidade.
Se Minas Gerais deu o nome do seresteiro ao presídio, Montes Claros se esqueceu de registar no seu sítio da Internet qualquer referência ao autor de “Teus olhos”. O seresteiro de “Volta’, de “Perdão”, e de “Segredo” não é citado no texto sobre a cidade, apesar da rubrica dedicada aos artistas da terra. Como se fosse um estranho ao ninho. Como se não fosse nome de um coral que canta suas músicas e de outros bardos nas noites claras de Minas, iluminadas pela fria bruma das estrelas. “Não te esqueças nunca mais de mim”, Montes Claros.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.