“Como se filtrassem o que devia ser aprendido, os romanos não plagiaram dos gregos dominados as penas do ostracismo e da cicuta”
Otávio Sitônio
Os romanos muito aprenderam com os gregos. Pode-se dizer que a civilização ocidental começou nesse aprendizado. Os gregos evangelizando o mundo com seus hábitos urbanos, a polis ensinando o homem a conviver em sociedade. Por sua vez, a Grécia foi buscar na Índia alguns de seus costumes que hoje servem de alicerce para a civilização do ocidente, preferiria dizer mediterrânea. Assim foi com a monogamia, costume de certa forma injusto e cruel para com o segmento feminino, pois deixa parte dessa maioria desacompanhada.
A colônia humana é diferente das tilápias. Estas dividem seu cardume exatamente em duas partes: uma feminina e outra masculina, assim caracterizadas quando seus indivíduos se definem como adultos. A natureza, então, determina a seus filhos: você vai ser joão, você maria. Ninguém reclama, ninguém vacila, a paz social acontece e a espécie é continuada. Os indianos e os gregos tentaram caminhos diferentes, e a humanidade ainda não se acomodou nem se acostumou. A monogamia, com os homens em minoria, deixa um excedente feminino sem formar casal. Os gregos não conheciam a mágica das tilápias do Nilo, ali tão perto, na outra beira do Mediterrâneo.
Sempre há uma civilização florescendo numa das margens do Mediterrâneo, o mar monoteísta dos árabes e judeus, nas margens sul e leste, e politeísta na margem norte, onde abundam os deuses e os demônios da Grécia e de Roma.
Como se filtrassem o que devia ser aprendido, os romanos não plagiaram dos gregos dominados as penas do ostracismo e da cicuta. O Direito Romano, tão rico da técnica jurídica, peca na finalização do processo com suas penas tão excessivas: o Poço das Moreias (onde os condenados eram oferecidos como isca para as enguias), a Rocha Tarpeia (de onde os condenados eram arremessados para se arrebentarem), a feira dos escravos (onde os inadimplentes eram vendidos como pagamento de suas dívidas). Ai dos velhacos, dos devedores e protestados.
A cruz romana coroava todas essas barbáries como instrumento de punição e suplício. A simplicidade da cicuta, sua discrição, sua limpeza e rapidez na execução, não foram copiadas pela arrogância do soldado vencedor da História. A cicuta é uma pena de morte sem carrasco. Sem martírio. Daí Sócrates tê-la escolhido, em vez da fuga oferecida pelos seus discípulos, que cooptaram seus carcereiros. Tivesse Sócrates sido condenado à morte em cruz, muito provavelmente teria optado pela fuga e ainda hoje estaria conosco, nos cafés daqui ou Paris.
Por que não o ostracismo? Sócrates desterrado como foram os degredados da Inconfidência, ou os “maus brasileiros” da Ditadura 64, a Redentora?
Mas a cruz, a decapitação, a forca, a cadeira elétrica, a injeção letal permaneceram ao longo de dois milênios e um Mediterrâneo. O Estado Islâmico não soube copiar sequer a máquina da guilhotina, sua degola é feita a faca, diz-se que as crianças são colocadas na cruz de Pilatos. A cicuta seria muito mais fácil, seria até humana. A Grécia ainda tem muito a ensinar. Mas a Paixão continua.
Ofereceram fuga ao Doutor João Dantas, preso na cadeia por ter pistolado o Presidente João Pessoa. Mas ele preferiu esperar o júri preso, mais seu cunhado o Doutor Augusto Caldas. Talvez confiado no que disse o Doutor José Américo: “foi o maior advogado do seu tempo”. Como Sócrates, o Doutor Dantas achava que, se fugisse, não seria vitorioso no veredicto da História. Preferiu ser degolado na cruz da cadeia, ele e o cunhado inocente.
Nesta semana a humanidade se cobriu de roxo luto. Não aprendeu com os gregos, ainda soletra com remorso suas declinações.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.