Ao ver o ririfi dos cinco roedores, lembrei-me do episódio da galinha preta que arremessaram contra Dona Marta Suplicy
Otávio Sitônio
Nove de março de 2014. Uma súbita invasão de roedores levou um princípio de pânico à Câmara dos Deputados na semana passada. Mais precisamente, três espécies de roedores, bem diferenciadas entre si: um esquilo-da-mongólia, dois hamsters e o popular rato. Este último já está naturalizado brasileiro, com múltipla cidadania americana, mas veio da Europa, a bordo dos navios do achamento e da colonização.
Os ratos são velhos passageiros dos navios; as tripulações costumavam trazer pequenos cães rateiros (terriers) para dar cobro desses incômodos roedores. Foi assim que veio para o Brasil o fox terrier e o jack russel, duas raças de cães que deram origem ao terrier brasileiro, ou fox paulistinha – uma das poucas raças de cachorros reconhecidamente brasileira. É muito simpático e valente, ótimo cão de companhia e alarme.
Até agora só apareceu um rato na invasão da Câmara dos Deputados. Os outros roedores eram de espécies importadas, os hamsters e esquilos-da-mongólia. Os primeiros vieram da Síria, e os últimos da China, como o nome está a dizer: mais exatamente. da Mongólia. O esquilo-da-mongólia não é um esquilo; é mais parecido com os nossos preás e mocós, e com o porco-da-índia, seus parentes.
Porco-da-índia chama-se assim porque a América era a Índia dos europeus, e o dito porco era do Peru. Um animal mimoso, como bem achou o poeta Manuel Bandeira: “Tereza, você é coisa mais linda que vi na minha vida, / inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando tinha seis anos”. Naquele tempo, um porquinho-da-índia era mesmo bonito.
Não sei como os roedores entraram na Câmara; prenderam um homem, acusado de ter conduzido os animais até a casa dos deputados. Mas ele nega a autoria do atentado. Mesmo assim, o funcionário da casa, acusado de contrabandista de roedores, foi demitido. Como eu ia dizendo, o esquilo-da-mongólia não é um esquilo. Esse habita o mundo. Chega a ser brasileiro, endêmico da Mata Atlântica e da Amazônia. Vai até os Pampas, onde é conhecido por serelepe.
Vi muitos serelepes, ou caxinguelês, nas matas de araucárias do Paraná, e alguns na mata urbana do Buraquinho – aquela floresta em plena capital da Paraíba. Hoje, a espécie está protegida por lei. É proibida sua captura. Mas não é o caso nem dos esquilos-da-mongólia e dos hamsters, tão democratizados e baratos, pois não custam muito mais que dez reais. Porque prenderam Márcio Martins, o ex-funcionário suspeito de ter contrabandeado os roedores?
Terá sido mesmo um atentado? Os bichinhos são tão mansos, o mais arisco é o rato. Mas esse domestica também. Conheci um bodegueiro que criava um rato branco, a quem chamava de Fiscal, e deixava ficar sobre seu ombro. O bodegueiro dizia que Fiscal espantava os outros ratos. Ao ver o ririfi dos cinco roedores, lembrei-me do episódio da galinha preta que arremessaram contra Dona Marta Suplicy, quando era prefeita de São Paulo
A intenção dos dois episódios não ficou bem esclarecida. No dia dos roedores, ia se realizar o interrogatório do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, pela CPI da Petrobrás. Ernst Hellmuth, estudante de Direito, estava revoltado com a cobrança de taxas pela Prefeitura, mantenedora de sua Faculdade; mas não se vê a relação da galinha com Dona Marta. Nem relação dos hamsters, esquilos-da-mongólia, e o solitário e prosaico rato, com suas excelências.
Márcio Martins foi demitido por justa causa, sem defesa. Deviam ter esperado pelo resultado da CPI, se é que vai ter algum.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.