Na França, desperdiçar alimentos tornou-se um crime. Supermercados e distribuidores não mais poderão destruir seus estoques com data vencida ou prestes a vencer. Serão obrigados a doá-los. Novas leis fazem eco às palavras recentes do Papa Francisco: “A cultura do desperdício alimentar é como roubar dos pobres”.
Por Luis Pellegrini
Agora é oficial: a Assembleia Nacional da França aprovou por unanimidade, a 21 de maio último, medidas legais contra o desperdício de alimentos. As leis, num primeiro momento, serão aplicadas contra os supermercados, armazéns e entrepostos habituados até agora a destruir e jogar fora toneladas de alimentos cuja data de validade venceu ou está perto de vencer. Como em outros países, na França os grandes atacadistas e varejistas de alimentos preferem amontoar tudo e, antes de atirar nos caminhões de lixo, jogar litros de água sanitária por cima, de modo a impossibilitar qualquer tipo de consumo ou reciclagem.
Mas a partir de agora está proibido aos distribuidores do setor alimentício inutilizar os seus produtos que não foram vendidos. As punições são severas – multas elevadas e pena de prisão de até dois anos para gerentes e diretores rebeldes – e podem chegar à perda de licença do estabelecimento no caso de reincidências. “Ver galões de água sanitária sendo jogados nos latões de lixo dos supermercados, quase sempre cheios de produtos que ainda podem ser consumidos sem riscos, ou que pelo menos podem ser reciclados e se tornar adubo ou comida para animais, é um escândalo intolerável”, disse Guillaume Garot, ex-ministro da Agroalimentação, e uma das vozes importantes que levaram à promulgação das novas leis. A decisão é exemplar, e deverá fazer escola nos países da Comunidade Europeia. Antes de se espalhar – assim se espera – pelo resto do mundo.
Alimentação animal, adubos, energia
Toda a cadeia francesa de produção e comercialização de alimentos está obrigada a se esforçar no sentido de prevenir e evitar todo desperdício. Os estoques que não foram vendidos deverão ser destinados por doação a instituições de caridade ou empenhadas no bem estar social. As sobras poderão também ser encaminhadas para a alimentação animal ou, ainda, para a produção de adubos e compostos para a agricultura ou para a valorização do parque energético nacional (produção de álcool, de biodiesel, etc)
As novas leis também obrigam a todos os supermercados com área superior a 400 metros quadrados a assinar uma convenção com uma ou mais associações de caridade, a fim de facilitar as doações alimentares às comunidades carentes ou necessitadas. Ao mesmo tempo, os produtos que retornariam aos produtores ou fornecedores e que via de regra eram destruídos, a partir de agora deverão ser destinados à doação.
Essas medidas objetivam também a criação, em escala nacional na França, de uma cultura geral de economia e do não desperdício de alimentos que começa nos grandes espaços produtores e do comércio para acabar nas cozinhas e nas mesas dos cidadãos consumidores. O novo pacote de leis promulgado estipula também a criação de programas educacionais nas escolas e nas empresas a respeito do desperdício de alimentos. Com tais iniciativas, o país espera ter superado o problema do desperdício até o ano 2015.
Tais medidas são dignas de todo apoio e de aplauso, sobretudo quando se sabe que os 870 milhões de indivíduos subnutridos e famintos existentes na atualidade poderiam ser decentemente alimentados se simplesmente as sobras desperdiçadas no mundo desenvolvido fossem coletadas e distribuídas.
As datas de vencimento confundem o consumidor
Não seria excelente se também nos Estados Unidos, no Brasil e em todos os países fossem aprovadas leis e programas educacionais semelhantes? Recente relatório demonstra que nos Estados Unidos 21% de toda a comida é jogada fora e desperdiçada ao nível do consumidor. Ao nível do distribuidor, o desperdício é de cerca 10%.
The Waste & Resources Action Program, importante ONG baseada no Reino Unido, informa que os avisos “vender até”, “consumir até”, “melhor antes de” visíveis nos pacotes e embalagens de comida fresca frequentemente confundem os consumidores e contribuem para desnecessários desperdícios de alimento. As pessoas tendem a pensar que esses são avisos de expiração peremptória, ou que a partir dessas datas o produto se torna perigoso e impróprio para o consumo. Não percebem que, na imensa maioria das vezes, essas datas são arbitrárias. Os alimentos podem permanecer bons para consumo por muitos dias depois da data estampada, e comidas enlatadas ou empacotadas podem permanecer ótimas por vários meses e até anos após a data.
As estatísticas são impressionantes: estender por apenas mais um dia a data de validade dos alimentos empacotados eliminaria 250 mil toneladas anuais de comida desperdiçada unicamente no Reino Unido!
Estatística alarmante
À parte os méritos humanitários da implantação de uma política geral de não desperdício alimentar, existe um outro fator assustador em pleno andamento no mundo todo: esse desperdício é, hoje, o terceiro maior fator de emissão de dióxido de carbono, um dos principais gases que provocam o efeito estufa gerador do aquecimento global, superado apenas pelas emissões poluidoras dos Estados Unidos e da China!
Com uma população global de cerca 7,2 bilhões de almas encarnadas sobre a Terra, alimentar dignamente todas as bocas do mundo certamente significa um enorme pedágio em termos da sustentabilidade do planeta. Mas as pessoas precisam comer… E um novo relatório das Nações Unidas, a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) adiciona ao cenário um agente perturbador: A cada ano, cerca de um terço de todos os alimentos produzidos para o consumo humano – cerca de 1,3 bilhões de toneladas – são desperdiçados, juntamente com a terra, a energia, a água e os produtos químicos necessários para produzi-los e processá-los.
É preciso por um basta nessa irresponsabilidade egoísta e imoral. Na França, o desperdício já é crime. Esperamos que o resto do mundo siga o exemplo francês. E para quem ainda não está convencido, aconselhamos ouvir as palavras do Papa. Francisco afirmou recentemente que “a cultura do desperdício alimentar é como roubar dos pobres”.
Brasil 247