ter
08
mar
2016

“A notificação é instrumento indispensável à defesa do cidadão, para que ele saiba de que está sendo acusado”.

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Quando o cidadão desobedecia pela segunda vez a ordem da autoridade para comparecer ao fórum ou à delegacia, o judiciário expedia a ordem para o comparecimento coercitivo, a ser cumprida pela polícia. Chamava-se a esse remédio extremo “debaixo de vara”, para que a autoridade não ficasse desmoralizada. O cidadão ia porque ia: se fosse necessário, ia manietado por algemas, feito uçás ou goiamuns, os bravios caranguejos do mangue, atados uns aos outros em “corda” e apregoados na peça imortal de Gordurinha, o “Vendedor de caranguejos”.

Foi assim que a Polícia Federal foi buscar o vendedor de caranguejos Lula da Silva na sua residência, de todos conhecida, cumprindo ordem do juiz Sérgio Moro, como parte da Operação Lava Jato. O inusitado do episódio deveu-se ao fato que o vendedor de caranguejos não desobedecera a nenhuma autoridade, e não podia ser, pois não fora notificado nem intimado a comparecer à delegacia, no dia e hora aprazados. Não foi porque não foi chamado, e adivinhar é proibido; assim, não poderia ter desobedecido à zelosa autoridade.

A notificação é instrumento indispensável à defesa do cidadão, para que ele saiba de que está sendo acusado. Faz parte do “devido processo legal”, e é a partir daí que pode surgir o contraditório. Mas ao vendedor de caranguejos Lula da Silva foi negada a acusação do crime que ele poderia ter cometido. Simplesmente foi rebocado para o que deveria ser o distrito. No meio do caminho mudaram de ideia e levaram o homem para o aeroporto. O que iriam fazer com da Silva no aeroporto? Um voo argentino?

Durante a ditadura platina arremessaram muitos cidadãos de aviões sobre o Rio da Prata. As forças da repressão enfiavam o preso dentro de um saco, costuravam a boca (do saco) e arremessavam a vítima para dentro da noite profunda, no rio gelado. Fizeram muito isso. O Brasil quis copiar o procedimento, mas esse projeto macabro foi abortado. Aqui, as execuções eram menos sofisticadas e mais sumárias. Lula da Silva teve para ser executado e sepultado no Cemitério de Perus, em São Paulo. Escapou fedendo; ainda fede um pouquinho a defunto. Haja vista a condução coercitiva, debaixo de vara, a que foi submetido semana passada.

Na ditadura militar brasileira, dispensava-se a ordem judicial para se rebocar o cidadão ao quartel debaixo de vara. Os homens simplesmente iam buscar a vítima na sua casa e o cara desaparecia. Ou então se intimava o fulano a comparecer ao DOI-CODI, como fizeram a Vladmir Herzog. Lá ele seria pendurado numa forca improvisada, depois de torturado até à morte. Enforcavam o cadáver e diziam que o defunto se suicidara depois de morto.

Essas e outras fazem lembrar o pronunciamento do senador Leite Chaves, que sugeriu, da tribuna do Senado, que fosse criada uma gestapo no Brasil, para que se poupassem às Forças Armadas o papel repressivo da ditadura. Os milicos se danaram, e ameaçaram de fechar o Congresso caso Leite Chaves – o senador paraibano pelo Paraná – não se retratasse. Chaves teve de fazer isso, disse que foi mal entendido; se não, haveria um caminhão de cassações e o Congresso seria fechado hermeticamente.

Agora, estão dizendo que o Brasil se encontra sob golpe, debaixo de vara; que o golpe moderno é aplicado assim, pelo Judiciário mais a Polícia Federal. No fundo, no fundo, o golpe modernoso ainda é tramado pelo Departamento de Estado, sob a tutela da CIA de Obama.

Não estou questionando o motivo que levou à prisão e condução do cidadão Lula dos Caranguejos, mas a maneira como ele foi rebocado de dentro de casa até o aeroporto – sem notificação ou intimação às quais obedecesse ou desobedecesse. No Estado de Direito a notificação é um direito da cidadania, para que o apanhador de caranguejos saiba por que está sendo preso e conduzido para o aeroporto, debaixo de vara.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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