ter
16
fev
2016

“Ela toca baixo, violão, violino, viola clássica, viola brasileira, bandolim, cavaquinho; teclado, piano, sanfona, fole, escaleta, pandeiro e bandoneón”

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Os joelhos não me deixam mais brincar o Carnaval. Sofrem de artrose avançada, uma patela trincada, meniscos falidos. Quer dizer: estão sucateados. Quando vou a uma missa de sétimo dia, não posso mais me ajoelhar, como fazia outrora diante da beleza. Não posso mais acompanhar a Missa nem o Carnaval. Só assim não peco. Teve uma vez – eram cinzas – que saí do clube, manhã alta, para uma fabriqueta de colchões. Estava aberta. Eu e meu primeiro amor.

Ainda bem que não gosto de brincar o Carnaval. Prefiro acompanhá-lo pela televisão. Vejo o Carnaval do Rio, São Paulo, Salvador, Recife, sem sair da cadeira de balanço. Os Carnavais do Rio e de São Paulo são os que oferecem mulheres mais bonitas, mais despidas. O Carnaval do Recife é o mais folclórico, com seu frevo, maracatu, ladeiras verticais, abissais, bonecos gigantes, enormes. Este ano, meu aliado Ariano Suassuna (ele me chamou assim) virou boneco.

O Nordeste se fez presente no Carnaval do Rio. Aliás, se faz todo ano. Um dos sambistas da Imperatriz Leopoldinense é da Paraíba – o Zé Katimba. Ele compõe os enredos da escola. Este ano o samba de Katimba foi defendido também por Lucy Alves e sua sanfona de dez quilos (e meio). Ela também é da Paraíba. Bela moça de belas pernas. O samba de Katimba foi eleito pela Rede Globo de Televisão como o de melhor apresentação. Foi a voz do puxador? Ou a sanfona e as pernas de Lucy?

A moça tem se apresentado da forma que eu diria a ela. Anunciando-se como multi-instrumentista, pois toca treze instrumentos: baixo, violão, violino, viola clássica, viola brasileira, bandolim, cavaquinho; teclado, piano, sanfona, fole, escaleta; e pandeiro (o auxílio luxuoso de um pandeiro, como diz Luiz Melodia). E está aprendendo mais um, o bandoneon, para tocar no sul do Brasil e nos países do pampa: Uruguai, Argentina, Paraguai. E na serra do Chile, além-Atacama.

Meus joelhos estão como os de Mossoró. Foi um cavalo de corridas brasileiro. Ele deixou de correr por causa da artrose. Lembro-me de uma reportagem da revista O Cruzeiro, digo, uma entrevista, com Mossoró deitado. Cavalos pouco se deitam, dormem de pé. A fotolegenda dizia que o craque não corria mais por conta da artrose. Foi meu primeiro contato com essa palavra, não esqueci mais. Eu era menino, Mossoró era velho. Hoje, somos os dois. Corrijo: Mossoró na eternidade.

Depois veio Tirolesa. A égua não perdia pra ninguém. Castanha, como convém a uma égua de turfe. Voltando a Mossoró: parece que era branco, isto é, tordilho. Pois dizem que não há cavalos brancos, nem o de Napoleão. Os linguarudos dizem que Mossoró era mestiço, filho de um puro-sangue com uma égua de serviço. Que o pai rebentou a baia quando a mãe de Mossoró passou perto, no cio. O pai cobriu a SRD (sem raça definida). Não se pode com a língua do povo.

Depois, foi Twist. Era o nome de uma dança vinda lá da América do Norte e que invadiu os países colonizados, depois do rock’n roll. A juventude descerebrada do meu tempo dançava. Botaram esse nome no cavalo, mas ele merecia melhor. Nunca vi cavalo com o nome de samba, ou de frevo, ou baião. Havia um cavalo inglês com o nome de FDP, por extenso. Deve ter sido um fdp que botou esse nome nele. Acho que os cavalos merecem respeito.

Não deixaram Lucy cantar e tocar o twist da Imperatriz, não foi? Ela tocou e cantou, mas sem a devida amplificação do som, quase à capela. Convidaram a moça para tocar e cantar, mas não deixaram mostrar seu talento. Mesmo com a presença de Zé Katimba, o autor do samba-enredo. Por que ela é nordestina? Bethania também é, e foi homenageada pela Mangueira, a escola campeã.

Não sei como deixaram Mossoró correr nas avenidas do Sul. Ele era pernambucano.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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