Chicomuna

Chicomuna é uma pessoa de valor, merece algo melhor de que entrar na APL”

Otávio Sitônio Pinto

Chicomuna é candidato à Academia de Letras. Sua candidatura decolou, vai a barlavento. Estou com pena de Chicomuna, parece que ele vai ganhar. Esta semana telefonou para mim, pedindo meu voto na APL. Respondi afirmativamente a seu pleito. Primeiro porque Chicomuna é comunista, como indica seu nome de guerra. Segundo porque o conheço de antigas madrugadas, em Campina Grande. Como deixar de votar em Chicomuna? Ele é um comunista de segunda geração, filho de um comuna da velha guarda do Partido. Agora, quer ser imortal, quer ser acadêmico.

Ele é candidato na vaga de um imortal que morreu lá em Minas Gerais. Não me lembro do nome, mas sei que era um médico e que morreu. Esse era oftalmologista; gastou sua vista lendo as letras que os acadêmicos soem ler. Chico leu e escreveu muito. Fez um belo livro sobre as artes na terra de Pedro Américo, o pintor que pintou a cena do grito do Ipiranga: o príncipe cercado de xeleléus e da guarda palaciana, montado num cavalo, com a espada desembainhada, gritando “Independência ou morte”. No melhor estilo de Vassoura, também conhecida por Maria Isabel Bandeira Brasileira. Isabel andou muito tempo com uma vassoura desembainhada, desde a campanha de Jânio a presidente.

Já escrevi sobre o tema. O quadro de Pedro Américo tem algumas falhas como reportagem. Por exemplo: Dom Pedro não estava montado num cavalo, mas numa burra. Ele entendia de cavalos, pois era dono de um haras de cavalos Lusitanos. Os cavalos que deram origem à raça Campolina. Bons cavalos. Mas não o suficiente para fazer aquela viagem de meio milhar de quilômetros, subindo e descendo ladeiras pela Serra do Mar.

Ora, a comitiva de Dom Pedro tinha ido a cavalo e a burro do Rio de Janeiro até Santos, numa viagem de inspeção de obras de afortalezamento que o príncipe mandara fazer no porto. Viagem longa e puxada, mais própria para um burro de que para um cavalo. E mais para uma burra, pois elas são mais resistentes e viageiras de que os ditos burros. O príncipe sabia.

Outro erro de Pedro Américo foi a espada desembainhada. Diz a tradição que Dom Pedro parou para fazer uso de uma moita, onde despejou seu mal-estar intestinal. A tradição diz que Sua Alteza comeu algo que não lhe fez bem. Aí chegou um portador do Rio de Janeiro, a todo pano, conduzindo duas cartas. Uma da princesa consorte, outra de Dom João VI, recomendando ao príncipe que proclamasse a independência, pois os ventos da política estavam tumultuados. Havia quem quisesse o impedimento do príncipe, como agora querem de Dona Dilma.

Você já ouviu falar onde estariam essas cartas de tanta importância para a História do Brasil? Em que museu? Diz a sagrada tradição que o príncipe se limpou com elas, após a délivrance. Pedro Américo não retratou as cartas, nem a burra, só registrou Chalaça e outros cortesãos, e a infantaria montada que seguia o príncipe. Sim, pois os Dragões da Independência não eram cavalarianos, mas infantes montados. Por que, não sei.

Voltando a Chicomuna: ele tem muitas chances de se eleger. Mas Chicomuna é uma pessoa de valor, merece algo melhor de que entrar na APL. Prometi-lhe o voto, de má vontade, pois entendo que Chicomuna deve ser posto em nicho mais alto. Espero que meu título de eleitor mais uma vez dê azar, e Chicomuna perca a eleição por sortilégio do meu voto.

Aproveito a ensancha para dizer, a futuros candidatos, que não votarei em mais ninguém para a Academia, nem nas pessoas imortais de Caixa D’Água, Mocidade, David, Daniel da Merda – que deveriam ter sido imortalizados com uma cadeira acadêmica. Ainda está em tempo, pois há antecedentes de imortais póstumos que foram eleitos depois de mortos, como a rainha Dona Inês de Castro e dois ou três cavaleiros da APL, que recusaram sua indicação em vida mas não escaparam da condenação em morte.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.

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