Um dia no Laureano (crônica de Tião Lucena)

“O câncer, esse bicho papão que desafia os sábios da saúde, mostra sua cara feia nos corredores do Laureano. É coisa para ficar gravada na alma e na lembrança”.

O amigo que pensa ser o bacana do pedaço precisa passar uma manhã no Laureano para descobrir que não é nada. Vá, amigo, enquanto suas carnes ainda resistem à podridão dos anos, pois se deixar para mais tarde pode ser desnecessária a sua ida, seu fedor o alcançará nos salões onde hoje desfila toda sua arrogância.

O câncer, esse bicho papão que desafia os sábios da saúde, mostra sua cara feia nos corredores do Laureano. É coisa para ficar gravada na alma e na lembrança. Moços e velhos, moças e velhas, todos no mesmo barco da desgraça, rostos desfigurados, buracos onde um dia residiu um nariz, deformações que transformam seres humanos em bichos de assombração.

Meninos, eu vi. Estive no Laureano visitando um amigo. Um senhor passou ao meu lado sem a orelha esquerda, outro com um rombo onde um dia existiu um nariz, de outro tiraram tanta carne da boca que no seu lugar ficou um rasgo feio e torto. Um rapaz, de boa aparência, falava por gestos porque o câncer lhe roubou a voz. E assim caminhava a fila, interminável, enquanto lá fora os carros chegavam, carros particulares e carros ambulâncias, vindos do Ingá, de Itabaiana, de Salgado de São Felix, de Carrapateira, de Patos Espinharas, do Vale do Piancó, de todos os quadrantes do estado, cancerosos vindos catar uma nesga de esperança, um fiapo de vida.

No pátio, um senhor gordo, de Santa Luzia, pregava a palavra de Deus. Brandia a Bíblia e oferecia o céu aos arrependidos. Seu jeito era de iletrado, mas seu discurso soava convincente,tinha platéia. Ele dizia as coisas com a linguagem do matuto lá das brenhas. Deixou a enxada pelo chamado de Deus, pegou um bigu e veio ser pregador em João Pessoa. E prega o dia inteiro sem parar, tendo um jeito todo especial de interpretar as escrituras. Falando do filho pródigo, por exemplo, ele narra o seu fracasso e o seu retorno: "Perdeu tudo o que tinha e foi tratar dos porcos, dormindo no meio da merda dos porcos. E quando decidiu retornar ao pai, o fedor de merda era tão grande que ninguém encostava nele. Mas o pai encostou, mandou matar o cabrito mais gordo e festejou a nova vida do filho".

Outros profetas bem que poderiam fazer praça no pátio do Laureano, onde a desesperança clama por fé. Seria menos luxuoso o ambiente, porém mais produtivo. O púlpito da igreja, o ar condicionado do templo e os fiéis que transformam os cultos em desfile de moda, em nada retratam a verdadeira igreja de Jesus Cristo. Ali no Laureano o pregador matuto faz muito mais bonito. E com certeza agrada muito mais a Deus.

Tião Lucena, nascido e criado em Princesa Isabel, é jornalista desde 1975, tendo começado em A União como repórter e trabalhado em O Norte, no Correio da Paraíba, no Jornal O Momento e no jornal de Agá. Nos três primeiros desempenhou as funções de repórter, editor político, editor do interior, chefe de reportagem e secretário de redação. Também foi vice-presidente da API e diretor do Sindicato dos Jornalistas. Cansou de trabalhar em jornais, cansou de patrões e resolveu criar um espaço somente seu na internet, onde pretende fazer um jornalismo sem cabresto e sem censura.

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