ter
22
dez
2015

“No tempo da escravidão, dava-se preferência a peças de canelas finas”

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Um amigo marciano me disse que a Terra é um planeta de pernas finas. Domingo, vendo a eleição da Miss Universo, terminei admitindo que meu amigo de Marte está certo. Eu pensava que era despeito dele, porque as moças da Terra não lhe querem. Ele é moreno e não tem emprego fixo, é por isso. Nunca pôde fazer um concurso nem abrir uma firma, pois não tem documentos. Vive de biscates, embora seja formado numa das melhores universidades de Marte.

Todas as candidatas ao título de Miss Universo têm as pernas finas, canelas longas de seriemas, emas, socós e outras aves lacustres. Já não se fazem misses como antigamente, até a pronúncia mudou. Outrora se dizia “misse”, assim com uma letra “e” no final da palavra – que era mais gorda, tinha mais curvas, coxas e ancas, a cintura de pilão aparentando ser ainda mais fina, o bumbum mais saliente.

Ainda bem que preservaram o busto, talvez porque seja um fetiche norte-americano desde o tempo de Jane Russel. Ela protagonizou o filme “O proscrito” (The outlaw, 1943), de Howard Hughes, que mostrou a beldade debruçada sobre o mocinho Montgomery Clift, a gente vendo o rego do seio sem restrições. Acho que entendo de misses, pois sou filho de uma e fui namorado de outra, no tempo em que as moças me queriam. Meu amigo de Marte mostrou-me umas fotos de marcianas peladas: acho as conterrâneas mais bonitas, mesmo as candidatas a miss universo.

Minha mãe foi Miss Princesa, antes de 1930. Princesa é uma cidade que fica no Sertão, detrás da serra da Baixa Verde, embaixo do planeta Marte. Não sei se depois de 1930 Princesa ainda elegeu misses, embora tenha moças bonitas. Como você sabe, em 1930 Princesa proclamou sua independência, episódio que provocou a morte do presidente do Estado e o golpe de Trinta. Desde então o lugar ficou no escanteio, mudou até o nome, passando a se chamar Isabel – em homenagem à mulher do Conde D’Eu, um francês que só não foi rei do Brasil porque se proclamou a república.

A Princesa Isabel era a única herdeira de Dom Pedro II, e esse foi um dos motivos que provocaram a ruína do Império. Os brasileiros não queriam ser governados por um francês, mesmo sendo um ex- combatente da guerra do Paraguai. Conheci uma senhora que era filha de um ex- soldado daquela guerra, e recebia uma pensão paterna. O conde devia ter recebido também. Já os heróis americanos não recebem, nem suas viúvas e órfãos; eles estão em todas as guerras.

O gosto por canelas finas é antigo. No tempo da escravidão, dava-se preferência a peças de canelas finas. Por que, não sei. Sou mais a moda de Marlene Dietrich, o anjo azul de pernas grossas. Meu amigo Mar – ele se assina assim, com a mão canhota – também prefere a Dietrich. A miss que namorei tinha pernas grossas, cintura fina, busto proeminente. Foi Miss Igaraçu – aquela cidade praieira de Pernambuco. Enchia mais a vista que as magricelas do concurso de Miss Universo. Mas morava longe, era meio tanque para ir e voltar.

As cantoras de minha predileção têm pernas mais grossas de que essas misses de araque. Ouça e veja e as pernas de Tina Turner, Gal Costa, Elba Ramalho, da portuguesa Gisela João – uma fadista de saia curta, ao contrário das outras. João é natural de Barcelos, uma joia de cidade encrustada no norte de Portugal.

Meu amigo Mar não entende essa tendência de se eleger moças das penas finas para Miss Universo. Ele tem olho clínico, pois tem visão de raio x – vê o que se passa além das paredes e das saias. O Brasil teve boa candidata, Marthina Brandt, também da canela fina. Moça preparada, fala vários idiomas: alemão, italiano e outros. No Rio Grande do Sul quase todo mundo fala alemão, outros falam italiano. Há quem fale português. É bom no mercado de trabalho.

Alguns leitores reclamam da minha admiração por Vana Roussef. Ela é bonita, inegavelmente. Não seja despeitado (a). Acho Vana a presidente da república mais bonita da OEA. Pode ser Miss ONU, mesmo vestida naquele conjunto mao-tsé tung. Claro que ela não me quer, pois tenho defeitos graves, refugados pelas moças: sou casado, pobre e moro longe. Depois de Igaraçu.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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