Tião Lucena: “Como era doce o natal”

“O meu natal perdeu a graça a partir do dia 24 de dezembro de 1984. Meu pai  morreu numa véspera de natal e ainda hoje isso dói no peito e me enche de saudade”.

Na minha casa, quando eu era menino, não tinha jantar de natal. Havia o bolo de Cecília Mandaú que papai comprava na festa e levava pra comer com a meninada. Mamãe fazia aquele café forte, torrado no caco, e acontecia a nossa festa particular.

Tudo era muito singelo, tanto em casa quanto na rua. Barracas eram armadas ao longo da Rua Grande e nela se vendia bolo, capilé, cachorro quente de pé de galinha, Maria Costa inventou um cachorro quente só com caldo de carne, os Calus armavam seus tabuleiros de cocadas e quebra queixo, os bares ficavam cheios, tanto os chiques quanto os pebas, na descida para a Rua São Roque Zé Brejeiro vendia sua pinga com caldo de mocotó, mais adiante Arlindo Silva, todo abusado, reunia os bebuns mais endinheirados, antes dele Maria do Ó torrava suculentas traíras que eram servidas em pratos enfeitados com rodelas de tomates, pendendo pra ponta da rua encontrávamos os famosos Bolos Doces, que eram forrós à base de sanfona, pandeiro e triângulo, nos quais só se dançava pagando a cota, cobrada em pleno salão. Mulher que recusasse uma dança era imediatamente despachada para a cozinha e ia fazer café.

Na rua principal, o vigário armava enorme pavilhão com um palco de bom tamanho onde se apresentava o pastoril.Cordão Encarnado e Cordão Azul disputavam a preferência do público. Ganhava quem arrecadasse mais dinheiro.

E o leilão, então, era um verdadeiro desfile de fortunas.Arrematava-se galinha do pé seco a preço de boi. Certa vez os homens do lugar disputavam uma galinha, um ofertava a quantia para o outro não comer e o outro respondia pondo quantia maior no bolo. A coisa já chegava às alturas, o leiloeiro Parajara já se preparava para dar-lhe uma, dar-lhe duas e dar-lhe três quando finado Cotoco, lá do Beco de Zé Góes, gritou “oitocentos mil cruzeiros”. Foi um espanto. Parajara deu a penosa por arrematada, mas quando procuraram o felizardo ele tinha sumido. Cotoco correra de beco afora e só parou nas proximidades do cabaré de Estrela.

O meu natal perdeu a graça a partir do dia 24 de dezembro de 1984. Meu pai  morreu numa véspera de natal e ainda hoje isso dói no peito e me enche de saudade.

Blog do Tião Lucena

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