513!

A casa de Cunha pôs abaixo a decisão do Senado, que iria valorizar o voto do povo

Otávio Sitônio Pinto

Um detalhe positivo e simpático do jogo das seleções de futebol do Brasil X Estados Unidos, de terça-feira, foi o de que ninguém roubou a bola. Disputou-se e se recuperou a bola perdida, mas ninguém roubou a pelota – como se dizia antigamente, nos tempos de Garrincha, Pelé e Zagalo. Mas no período pós-glorioso do futebol brasileiro surgiu essa expressão infeliz: roubou a bola, bola roubada. E davam ênfase na vil expressão, apologética ao crime.

Djalma e Newton Santos, Bellini, De Sordi, Brito, nunca roubaram bola. Os locutores modernos é que inventaram esse vício e atribuíram-no aos jogadores. Mas o volante Dunga, primeiro homem da defesa, jamais roubou bola de ninguém: desarmava os atacantes, e esticava a bola para os pontas-de-lança brasileiros. Na transmissão do jogo de terça, os locutores também não roubaram o balão de couro. Será que foi porque foi fora de casa?

O futebol é o acontecimento que mais emociona o povo brasileiro. Seus craques são ídolos do povo, os semideuses da nossa gente. Se a eles imputam o comportamento de ladrões, qualquer do povo poderá fazer a mesma coisa. Vai ver que a pandemia de ladroagem que assola o País de Ponte Preta tem como uma de suas vertentes o roubo de bola propalado pelo speaker da TV. Em cima do fenômeno do futebol, a magia eletrônica da TV, os dois dizendo aos brasileiros que o roubo do objeto mais icônico do arsenal nacional é admirável, próprio dos heróis “roubou a bola”!

Na verdade, os heróis brasileiros são esquecidos de sua gente. Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Frei Caneca, Carlos Marighela, Carlos Prestes, foram substituídos no caritó popular por facínoras como Virgulino e seus cangaceiros. Os bandoleiros das caatingas nordestinas são tidos e havidos como a nossa versão dos guerrilheiros de Sierra Maestra. Mas não há nenhuma semelhança entre os dois gêneros. É uma irresponsabilidade dos que fazem a televisão brasileira tamanha apologia ao crime: “roubou a bola!”

Há políticos muito caroáveis a esse tipo de influência. Só deputados federais são 513. Bem mais que os 81 senadores. Na última quinta-feira, dia 10, os federais desaprovaram o que os senadores tinham feito: a proibição das pessoas jurídicas bancarem as campanhas políticas no país de Calabar. Feito admirável esse dos senadores, mas a Câmara mandou pelo cano grosso do saneamento. Agora, as eleições correm o sério risco de voltarem a ser financiadas pelo poder econômico.

Há muito tempo se sabe que as eleições brasileiras são um agente inflacionário: se gasta tanto, se compra tanto voto (o eleitor vende seu voto a mais de um candidato), que sobra dinheiro na praça e as mercadorias sobem de preço. Um político experiente dos cariris de Princesa (já morreu, não quero nominá-lo) costumava dizer que “voto é a mercadoria que mais quebra”. Com isso quis dizer que houve eleitor que o enganou: recebeu e não votou.

Com a aprovação da lei proibitória do financiamento das campanhas pelo Senado, cheguei a pensar e a dizer que havia surgido uma luz no túnel do Brasil. Mas a alegria durou pouco. A casa de Cunha pôs abaixo a decisão do Senado, que iria valorizar o voto do povo, imunizando-o contra o poder econômico. Mas nem tudo está perdido: ainda resta o veto da presidente Dilma, ela que vem enfrentando a conspiração de um golpe organizada e escancarada. O machismo golpista não suporta ver o Brasil governado por essa mulher, que além de mulher é guerrilheira, e mora sozinha em palácio.

São os que pensam que política e futebol são coisas de homem. Não jogo nenhum dos dois, mas gosto de ver, pela televisão, aquelas pernas torneadas correndo pra lá e cá, fazendo gols, sem roubar a bola. Ou discursando para a plateia dos homens, matando no peito e mandando pra rede.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.

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