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03
set
2015

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Alguém que tem minha senha acessou meu texto de terça-feira (Aquilo roxo) e “corrigiu” o neologismo que eu criei – ditadura milicar. Eu botara um “sic” depois de “milicar”, devidamente entre parênteses. Mas o fulano não sabia que o “sic”, entre parênteses, é um indicativo que a palavra antecedente está grafada de forma errada, mas que o erro é intencional, ou que se sabe que está errada, mas se quer espeitar a originalidade.

Quem corrigiu o “milicar” se esqueceu de suprimir o “sic” Assim, o dito “sic” ficou solto no ar, feito um balonista, pois antes dele não havia mais erro. Quem “corrigiu” o “milicar” deve ser uma pessoa muito jovem, que não conhece a expressão “milico”. Ora, seu Zé ou dona Maria, “milico” era o termo que os brasileiros usavam para se referir ao militar no tempo da ditadura. Daí o neologismo que inventei, e já usei algumas vezes, para denominar a ditadura “milicar” (sic).

Em latim, “sic” quer dizer “sim”. Em português – uma língua derivada do latim vulgar, o latim de caserna dos milicos (sic) que invadiram e ocuparam a península ibérica –, em português “sic” quer dizer justamente que o texto contém um erro, mas o erro foi deliberado, proposital, é assim mesmo. Se tirar um, tem de tirar o outro, se não o derradeiro fica sobrando, sem sentido: o “sic” está em função do erro, como se fosse um acessório. Desaparecido o principal, desaparece o acessório.

O povo não gostava da ditadura, e usava a palavra “milico” pejorativamente. Aliás, a palavra “milico” antecede a ditadura, mas foi usada de forma intensiva durante a vigência do regime autoritário. O regime em que a liberdade foi expatriada, deportada do Brasil, pois era uma entidade subversiva como os maus brasileiros. Estes eram aqueles que não aceitavam a tirania, que defendiam a volta da democracia. Dilma Roussef era má brasileira. Por isso, passou três anos na cadeia.

No cárcere se era torturado, seviciado. Há muitas formas de tortura, que pode ser combinada com outra. A mais conhecida é o pau de arara: a introdução de um segmento de vara (pode ser um cabo de vassoura) atrás da dobra dos joelhos e à frente da dobra dos braços; se pendura a vítima, assim flexionada, com as extremidades da vara apoiadas em dois encostos de cadeira, ou na tampa de um birô e numa cadeira, ou mesa. E haja pau.

Pode-se deixar a vítima dormir algumas noites no pau de arara, sem comer nem beber, devidamente nua (a tortura sempre se processa com a vítima nua, para lhe humilhar). Pode-se tocar fogo num jornal dobrado e com ele queimar as costas do entrevistado no pau de arara: chama-se, a isso, de “frango assado”. Pode-se introduzir no ânus do “mau brasileiro” o jornal dobrado e umedecido em algum combustível, e nele atear fogo: é o “foguete”.

Ou um ferro quente, ou um cassetete cheio de cabeças de prego. Aí é pra matar, de hemorragia ou infecção. Pode-se colocar um saco plástico na cabeça do prisioneiro, para sufocá-lo. Ou afundar sua cabeça numa bacia d’água: é o afogamento. Ou aplicar choque elétrico nas partes. Ou sentar o comunista numa cadeira de ferro (daquelas de terraço) e ligá-la por um arame a uma tomada elétrica. Ou mandar o preso segurar os fios de um gerador manual de eletricidade, daqueles da guerra.

Ou lixar, ou escovar sua pele com uma escova de aço. Ou botar um arame dentro do ouvido, e aquecer o arame com um maçarico. Ou fazer o brasileiro engolir um fio desencapado e ligar o fio na tomada elétrica. Ou enrolar a extremidade da fivela do cinturão nos testículos e rodar o cara; chama-se a isso de “carrocel”. Ou arrancar-lhe um olho, e mostrar o olho arrancado ao “pirata”. Ou dar uma injeção de curare no fulano: todos os músculos entram em cãibra. Etc.

Isso é que é ditadura milicar (sic). Por favor, mantenha o “milicar”, com o “c” e o (sic).

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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