O caso Asfora

“Os cigarros não eram o que Asfora fumava, uma piola tinha marca de batom

Otávio Sitônio Pinto*

Só quem mata uma autoridade é um poder maior que ela. Assim, quem matou Getúlio só pode ter sido um poder mais forte que ele. Qual poder poderia matar o presidente da República? Qual poder seria mais poderoso que ele? Ora, Getúlio estava em choque com a Força Aérea Brasileira, pois sua guarda pessoal era apontada como suspeita de ter matado o major Vaz, oficial daquela corporação militar. A FAB era um inimigo interno poderoso. E havia os inimigos externos.

Lá fora Getúlio tinha outros inimigos muito maiores e mais fortes que a FAB: as multinacionais do petróleo não gostavam do presidente, pois ele criara a Petrobrás, hoje uma das maiores empresas petrolíferas do mundo. O trust sabia que a Petrobrás atingiria essa estatura. Outra máfia que não gostava de Getúlio era o cartel das siderúrgicas, pois o caudilho criara Volta Redonda, acabando com o bem-bom do trust do aço no mercado brasileiro.

Imputaram a Getúlio o suicídio. Ele teria sido morto por um disparo de revólver calibre 32, um Smith & Wesson folheado a ouro. Em Campina Grande um rapaz rico matou outro com um revólver desses, num clube elegante da cidade. Não deu em nada, quem mata com revólver folheado a ouro não vai pra cadeia. Muito menos em Campina.

Getúlio morreu em 1953, e até hoje não acharam a bala que matou o presidente, encontrado morto na sua cama, vestido com um terno e, por cima do terno, um pijama. O que isso quereria dizer, se é que ele mesmo teria se vestido assim? Mais que presidente, Getúlio era um ex-ditador, deposto pelas forças armadas em 1945, depois que a FEB participou da derribada de Hitler e Mussolini. Getúlio era admirador dos dois, criou até uma legislação trabalhista inspirada na “Carta del Lavoro” de Mussolini, a CLT, em voga até hoje. Cinco anos depois de deposto, Getúlio, o “pai dos pobres”, foi eleito presidente da República. Ele criara a CLT e o salário mínimo, não podia perder. Era um populista.

Assim como nunca acharam a bala que matou Getúlio, também não encontraram a bala que matou Raymundo Asfora, o vice-governador da Paraíba, morto há 27 anos, completos hoje. Faltavam somente nove dias para ele tomar posse. Asfora, além de vice-governador eleito, era também deputado federal – e de grande prestígio, considerado o maior orador da Câmara. O ex-ditador Castelo Branco não gostava dele, porque Asfora o nomeou, desde a tribuna, “o corcunda de nosso drama”. Foi um rififi.

Quer dizer: além de vice-governador eleito, às vésperas da posse, Asfora era ainda deputado federal, pois ainda não renunciara ao mandato. E era membro da OAB. Encontraram o cadáver com um tiro na cabeça, da direita para a esquerda, numa cadeira sem braços, a cabeça sobre o braço direito, voltada para a direita, caída sobre a mesa – onde estavam meio litro de uísque, uma carteira de cigarros, um cinzeiro, um copo com um resto de bebida, e um revólver magnum 357, marca Ruger.

Os cigarros não eram o que Asfora fumava, uma piola tinha marca de batom. O cadáver estava descalço, vestido de cuecas e com uma camisa social branca, puxada nas costas, como se alguém tivesse tentado arrumar o corpo. Nada virou sobre a mesa. A sala tinha duas cristaleiras repletas de copos; nem os vidros das cristaleiras, nem os copos, nada se quebrou nem caiu. Nem o cigarro caiu da calha do cinzeiro. O sangue escorreu no seu rosto, contrário à lei da gravidade. Asfora estava sentado à extremidade da mesa, mas seu revólver magnum, capaz de grande coice, não caiu no chão, mas sobre a mesa, contrário à energia do tiro. E sobre o braço que teria disparado o magnum 357, caiu a cabeça, voltada para a direita – de onde haveria partido o tremendo disparo, na sala fechada. E a bala sumiu.

Ano passado, o caso foi a júri, em Campina Grande, 26 anos após a morte do tribuno. A Justiça considerou o caso como homicídio, e não suicídio. Mas não condenou nenhum dos indiciados. A Justiça não achou a bala que matou Asfora, assim como os culpados. Todos sumiram.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.

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